Você, paulista, foi condicionado a se achar melhor que os outros?
Leonardo Sakamoto
09/07/2013 12h24
Eu que já acho o ó do borogodó sair enrolado com a bandeira do Brasil em final de Copa do Mundo quase tive uma síncope quando vi uma criança correndo com uma esvoaçante bandeira do Estado de São Paulo, tendo os satisfeitos pais ao lado – feito aqueles comerciais de margarina em que tudo sorri, inclusive o triglicérides. Deu vontade louca de chamar o Conselho Tutelar.
Parte da minha vida passou diante dos meus olhos feito um filme B. Lembrei-me da época em que um bando de gênios começou uma campanha para separar a região Sul do restante do país. Distribuíram adesivos em que uma nação independente, o "Pampa", ou coisa que o valha, era formada pelos três estados mais São Paulo. Ou seja, não bastava se jogar do penhasco, tinha que levar a gente junto. O pai de um amigo tinha um desses colado no vidro do carro. Maldita sensação de vergonha alheia.
Disso me lembrei das incontáveis vezes em que me explicaram as razões pelas quais o "povo paulista" era o mais trabalhador do Brasil – conversas que, invariavelmente, terminavam criticando "baianos" (gentílico genérico com a qual alguns paulistas tratam quem vive acima do Trópico de Capricórnio por sua suposta "indolência").
Para quem não sabe, incutimos o espírito bandeirante em nossa criançada desde cedo para que ela, quando adulta, saiba colocar os outros exatamente em seu lugar. Hoje, fico matutando se determinismo geográfico era disciplina oferecida na escola ou se era ensinado como conteúdo transversal. O fato é que pais de alguns amigos defendiam sandices sob justificativas que fariam corar o doutor Joseph Goebbels. Em grande parte por ignorância, mas alguns por convicção formada na reflexão. Desses, eu tinha medo.
Até que, por fim, vieram à memória alguns cartazes que – sorrateiramente – fugiram do Facebook e do Twitter, durante as últimas manifestações de rua, como "São Paulo exige respeito". Além de suaves comentários vindos de futuros doutores em protestos da categoria: "Se o Nordeste quer médicos, que estude".
Agora me diga: qual a chance de uma pessoa condicionada, desde cedo, no "paulistanismo", o nacionalismo paulista, que funciona como uma espécie de seita radical aos seus adeptos, conseguir enxergar para além de uma divisão territorial e promover justiça social de fato? Pessoas que ouviram a promessa de que seriam os maquinistas da "locomotiva da nação" ao perceberem que São Paulo é apenas mais um?
Dentre os jovens paulistas que desaguaram nas ruas, uma parte deles foi preparada, ao longo do tempo, pela família, escola, igreja e mídia para encararem o mundo sem muita reflexão. Não significa, contudo, que sejam conservadores, mas acreditaram em respostas simples e empacotadas feitas para tudo seguir seu curso. Quando questionados, mostram estar perdidos no vazio. E com raiva, porque – ao que tudo indica – o mundo que lhes foi apresentado não é bem aquele que vão ter que viver. O desafio é que, diante de comportamentos questionáveis e pouco democráticos de grupos de jovens da classe média alta, externamos o nosso desprezo. A hora, contudo, é de conquistá-los para o diálogo e não o confronto. Construir com eles a narrativa de um mundo realmente mais democrático.
A bandeira do município de São Paulo traz a expressão em latim "Non Ducor Duco". Não sou conduzido, conduzo. Uma besteira sem tamanho.
Neste 9 de julho, vale refletir sobre outras bandeiras que podem fazer mais sentido do que aquelas que nos acostumamos a carregar.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.