Roseana Sarney veta lei de combate ao trabalho escravo
Leonardo Sakamoto
09/08/2013 11h01
A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), vetou o projeto de lei nº 169/2013, que havia sido aprovado na Assembleia Legislativa do Estado e previa a cassação do registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo. Na prática, isso significa banimento da empresa do Estado. A governadora alegou que o texto é inconstitucional.
O caso é curioso pois, em junho, circularam pela internet denúncias de que a governadora teria vetado uma lei contra o trabalho escravo, também aprovada pela Assembleia, que dispõe sobre sobre vedações à formalização de contratos e convênios entre órgãos e entidades da administração pública e empresas que utilizem essa forma de exploração. Na época, expliquei que a denúncia era falsa, pois a lei já havia sido sancionada por Roseana no dia 10 de janeiro (lei 9752/2010). Agora, o caso não é de boato. A lei é outra e o veto ocorreu.
Um levantamento de 2007 da Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão mostrou que o Estado era, então, o principal fornecedor de mão de obra escrava. Na "lista suja", cadastro de empregadores flagrados por esse crime do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Diretos Humanos da Presidência da República, o Maranhão aparece ao lado do Tocantins como a quinta unidade da federação com maior número de empregadores com escravos. Dos 498 nomes, 34 são de flagrantes no Estado. Além disso, o Maranhão tem a segunda pior colocação no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. A matéria é de Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil:
De autoria do deputado Othelino Neto (PPS), o projeto foi inspirado na lei paulista nº 14.946/2013, de autoria de Carlos Bezerra Jr. (PSDB), que foi regulamentada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em maio. Uma propostas semelhantes já foram aprovadas e sancionadas no Mato Grosso do Sul ou apresentadas, como no Tocantins e Rio de Janeiro. Além da cassação do registro de ICMS, ambas as matérias determinam que as empresas que se beneficiarem de mão de obra escrava serão impedidas de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova empresa por dez anos. O veto foi publicado na edição de segunda-feira (5) do Diário Oficial da Assembleia Legislativa e, na sua justificativa.
O projeto de lei de Othelino Neto é o segundo com o mesmo teor a ser proposto neste ano na Assembleia Legislativa do Maranhão. Em maio, a Repórter Brasil noticiou que o deputado Bira do Pindaré (PT) havia apresentado o projeto de lei nº 078/2013, que também foi inspirado na lei paulista. A matéria, no entanto, não obteve parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde teve como relator o deputado Tatá Milhomem (PSD), que alegou "vício de iniciativa". No seu entendimento, esse tipo de lei não poderia partir do Poder Legislativo. Quando um projeto de lei recebe parecer negativo da CCJ, o deputado que o propôs pode pedir que o plenário vote por reverter o parecer, o que permite a votação do projeto. Bira, no entanto, não fez isso: "Para reverter precisamos de 22 votos, que é a maioria dos deputados da Assembleia. Como faço parte da minoria que faz oposição ao governo, nunca consegui reverter um parecer contrário ao meu", explicou.
Os dois projetos se diferenciam principalmente no primeiro artigo, que define quais serão as empresas punidas. Enquanto a proposta de Bira também pune as que se beneficiaram de trabalho escravo em qualquer etapa da cadeia produtiva, sendo responsabilizadas também pelo flagrante de funcionários em empresas terceirizadas, somente as empresas envolvidas diretamente com escravidão são alvo do projeto de Othelino Neto.
Para Ítalo Rodrigues, procurador do Ministério Público do Trabalho no Maranhão, "responsabilizar a empresa por condições indignas em qualquer das etapas de produção é bem mais condizente com as disposições internacionais acerca do trabalho". Ele ressalta que as empresas flagradas fazendo uso de trabalho escravo colocam, em geral, o seu processo produtivo de uma forma "pulverizada", o que resulta na subcontratação de outras empresas, processo também conhecido como "terceirização". O deputado paulista Carlos Bezerra Jr. considera que a alteração do primeiro artigo "suprime a possibilidade de penalizar a terceirização de fachada e tira a possibilidade de enfrentar o problema na sua raiz".
Questionado, Othelino disse que a proposta de lei "atinge seu objetivo" e que "não tem a pretensão de atacar todos os aspectos do trabalho escravo". Ele afirmou que vai tentar convencer os demais deputados a derrubar o veto de Roseana. Para isso, é necessário que, ao menos, 22 deputados, a maioria simples do plenário, votem pela derrubada. O projeto de Othelino foi apresentado semanas depois do de Bira. Com tramitação em regime de urgência – para que, segundo o deputado, "fosse aprovada antes do recesso do Legislativo" –, ele conseguiu as assinaturas necessárias que garantiram a reapresentação de projeto semelhante ao outro, rejeitado, no mesmo ano. Tendo o deputado Rubens Júnior (PC do B) como relator na CCJ, a proposta obteve parecer favorável e foi aprovada pelo plenário em 8 de julho.
Apesar das diferenças entre as propostas, Bira do Pindaré acha "positivo o fato de que o que era nossa intenção principal tenha prosperado na Assembleia". Ele considera "pouco provável" que o veto de Roseana Sarney seja derrubado, mas apoia a iniciativa de Othelino Neto de tentar derrubá-lo.
Opção conservadora – A justificativa de veto da governadora do Maranhão é, para o deputado paulista Carlos Bezerra Jr., "uma opção conservadora, que vai na contramão dos avanços da luta contra o trabalho escravo". Já Othelino acredita que Roseana Sarney "se demonstra insensível a um tema importante como esse, que está acima de questões meramente partidárias".
Para vetar a proposta de Othelino, a governadora do Maranhão alegou que o texto é incompatível com o artigo 43 da Constituição do Estado do Maranhão, que garante ao Poder Executivo exclusividade para propor leis de natureza tributária, categoria na qual, no seu entendimento, o projeto de lei estaria incluído.
O próprio artigo 43 é alvo de questionamento do deputado Hélio Soares (PP), que elaborou, em 2011, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) visando alterá-lo para derrubar essa exclusividade do Executivo. Uma proposta já foi aprovada por todas as comissões da Assembleia Legislativa do Estado e passou em primeira votação, mas ainda é necessária uma segunda votação antes que possa ser encaminhada à governadora para sanção.
O Supremo Tribunal Federal também vem discutindo a questão. De acordo com o advogado Eduardo Corrêa, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB no Maranhão, "existem reiteradas decisões no STF sobre as quais os Poderes Legislativos estaduais possuem poder de iniciativa para legislar sobre matéria tributária". "Tecnicamente a Assembleia Legislativa do Maranhão pode derrubar o veto. A questão é se eles vão ter a disposição política para isso", disse.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.