A culpa dos jornalistas nesse show de horrores sobre os médicos cubanos
Leonardo Sakamoto
27/08/2013 18h21
Parte dos jornalistas passou dias dizendo o que quis sobre a vinda dos médicos cubanos, sem se preocupar em checar informações ou as consequências de suas ações.
São escravos, vêm em aviões negreiros, são incompetentes, indolentes e teve até quem disse que as médicas pareciam "empregadas domésticas" (o fantástico é que a tosca em questão achou que estava ofendendo as doutoras mas, no fundo, rasgava preconceito contra uma suposta aparência de trabalhadoras domésticas).
Muito jornalista também deu voz de forma passiva e servil ao corporativismo médico desmiolado, ou seja, ouviu e transmitiu aberrações sem questionar. Que é a função primordial dele.
Isso alimentou um bando de filhos das classes média e alta, com formação política zero, conhecimento histórico inexistente, pouco senso crítico e zero de autocrítica. Que depois de bem "fundamentados", levaram seus jalecos brancos para a porta de aeroportos a fim de repetirem o que ouviram.
Em suma, todo e toda jornalista que ajudou a inflar o monstro da xenofobia e do preconceito neste caso ou ao longo dos anos ou se omitiu diante disso tem uma parcela de culpa nesse show de horrores e de vergonha alheia.
Não somos nós que vamos a público tentar agredir estrangeiros. Da mesma forma que não é a mão de pastores ou deputados que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente que atacam homossexuais. Mas somos nós que, muitas vezes, na busca por audiência ou para encaixar um fato em nossa visão de mundo, tornamos a agressão banal, quase uma necessidade para restabelecer a ordem das coisas.
Parabéns colegas, a gente é o máximo.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.