E se Joaquim Barbosa ganhasse um salário mínimo?
Leonardo Sakamoto
29/08/2013 18h05
A ministra do Planejamento Miriam Belchior divulgou, nesta quinta (29), que o salário mínimo de 2014 deve ser de R$ 722,90. Esse valor representa um aumento de 6,6% ou 44,9 mangos.
Enquanto isso, o salário mínimo mensal necessário para manter dois adultos e duas crianças deveria ser de R$ R$ 2.750,83 – em valores de julho deste ano. O cálculo é feito, mês a mês desde 1994, pelo Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese).
O Dieese considera o que prevê a Constituição, ou seja: "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim".
Mas como todos sabemos, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federativa do Brasil, que trata dessa questão, é uma das maiores anedotas que temos na República. Rá!
O governo federal atrelou o ritmo de crescimento do PIB ao do salário mínimo, na tentativa de resgatar seu poder de compra. O combinado prevê reajustes baseados na inflação do ano anterior e na variação do PIB dos dois anos anteriores. Por isso, esse número divulgado é uma estimativa, uma vez que precisamos dos dados consolidados de 2013. O fato é que, por mais que ocorra um crescimento no poder de compra, estamos longe de garantir dignidade. Nas grandes cidades, são poucos os que recebem apenas esse piso. Contudo, segue referência para milhões de famílias que têm aposentados como arrimos.
Ninguém está pregando aqui a irresponsabilidade fiscal geral e irrestrita, mas o aumento do salário mínimo é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo.
Afinal de contas, salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo. Mas precisamos nos esforçar mais. Para aumentar a remuneração. Ou, pelo menos, para garantir serviços públicos de qualidade de uma forma em que a população não precise gastar do seu bolso para alcançar o que o Estado não fornece (educação, saúde, cultura, lazer, transporte…) Quem defende Estado mínimo e salário mínimo insuficiente é, no mínimo, muito sangue ruim.
Dito isso, o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe pouco mais de um mínimo e tem que depender de programas de distribuição de renda para comprar o frango do dia a dia, quando vê na sua TV velha a notícia de que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, defendeu um aumento de 9,26% em seu próprio vencimento para 2014? Ou seja, de R$ 28.059,29 para R$ 30.658,42, o que representa 2599,13 mangos.
O Congresso Nacional já havia autorizado um reajuste de 15,8% em três anos. O aumento que cabia a 2014 era de 5,2%, mas Barbosa pediu 9,2, ou seja, mais 4%. Isso deve impactar a folha de pagamentos de membros dos Três Poderes, uma vez que o salário dos ministros do STF deveria ser o teto dos servidores públicos.
Compensar as perdas da inflação, justificou.
Ouvi de um funcionário de um tribunal superior que o mínimo já teve aumentos consideráveis e o salário dos ministros não. Bem, é claro que a pergunta no título deste post é retórica (se a educação fosse boa neste país, eu não precisaria explicar isso). Não estou defendendo o nivelamento por baixo. Mas em um país em que o salário mínimo é insuficiente para garantir dignidade, é questionável que um ministro da Suprema Corte, que – a meu ver – já ganha de forma razoável para a função, peça um aumento maior do que aquele que será concedido ao naco encardido da população. E arraste parte do funcionalismo com ele (ou seja empurrado pelo mesmo funcionalismo). Não é ilegal, mas meu radar de imoralidade apita feito louco.
Nesse momento, alguns desses que viram a notícia na TV velha engolem o choro da raiva ou da frustração e torcem para a novela começar rápido e poderem, enfim, esquecer o que acabaram de ver. Afinal de contas, pelo menos na ficção dos folhetins há a mão invisível do autor que garante, na maioria das vezes, a punição das injustiças.
Apesar de Junho, ainda não perceberam que, se quiserem, os que usam chinelo são mais fortes do que os que vestem terno e toga.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.