Para Jean Wyllys, o fascismo "saiu do armário" no Brasil
Leonardo Sakamoto
08/04/2014 16h03
"As pessoas me insultam, me ameaçam, me xingam, me difamam."
O deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) é, hoje, um dos políticos mais influentes nas redes sociais. Mexendo em temas polêmicos (e sem ser uma unanimidade entre os progressistas, com posições que desagradam parte dos movimentos feminista e negro, por exemplo), ele se tornou uma das pessoas mais amadas e, ao mesmo tempo, mais odiadas da internet brasileira.
Em entrevista concedida ao UOL, Jean afirmou que não acredita que os conservadores estejam crescendo em número, mas sim reagindo.
"O processo de redemocratização do Brasil, o fim da ditadura militar, a promulgação da Constituição cidadã em 88 produziram um discurso público que recalcou os fascistas e conservadores. E tudo o que é recalcado não desaparece, retorna em algum momento sob diferentes máscaras." Para ele, com as redes sociais e a possibilidade de expressão anônima, o fascismo saiu do armário. E o próprio ambiente democrático e a liberdade de expressão deram a chance de pessoas virem a público dizer o que pensam, mesmo que o que elas pensem ameacem o próprio regime democrático.
Jean também considera que a criminalização da homofobia não é a melhor saída para resolver o problema. "Homofobia tem a ver com preconceitos e preconceitos são falsas certezas socialmente partilhadas. E falsas certezas só podem ser desconstruídas com conhecimento, com educação que produza a vida com pensamento. Essas pessoas não tiveram essa educação, essa educação lhes foi negada", afirma.
"Não acho que a prisão seja o lugar de alguém que chama o outro de "viado escroto", eu não quero que as pessoas que me ofendam e me insultam na internet vão para a prisão. Quero que elas me respeitem, quero que sofram uma sanção que as levem a refletir sobre o outro, a se colocar no lugar do outro."
Abaixo, a entrevista com Jean Wyllys pode ser vista na íntegra ou em vídeos por tema. Ele fala sobre a percepção equivocada do que sejam direitos humanos, a presidência de Dilma Rousseff, defende a legalização da maconha, a regulamentação da prostituição e a aprovação de um projeto de defesa dos direitos de transexuais. Questiona o projeto de criminalização da homofobia como único caminho, trata de machismo e assédio sexual, critica a influência dos fundamentalistas religiosos na política e defende o marco civil da internet.
Abaixo, estão listados os principais pontos tratados por ele:
Direitos humanos é direito de bandido? – O fato de uma pessoa cometer um delito e ser apenada por esse delito não faz dela menos humana. Não quer dizer que por ela ter cometido um delito, tenha que ser torturada, tenha que perder a chance de se reintegrar e se ressocializar.
Dilma Rousseff entre conservadores e progressistas – A presidenta Dilma não tem muita habilidade política no sentido que Lula tinha, de uma certa conciliação. O Lula sabia muito bem conduzir isso e aplacar as divergências e os conflitos na própria base do governo. E a base do governo do PT é complexa, composta de pessoas progressistas e de conservadores. Ela congrega setores que estão permanentemente em conflito.
É preciso ter popularidade para vencer uma eleição mas, para governar com Justiça, é preciso uma certa impopularidade. Você não governa nunca para todo mundo, é preciso ter coragem para desagradar certos setores. A presidenta não tem coragem para desagradar esses setores. Fica mal com os progressistas e, ao mesmo tempo, desagrada os conservadores porque toma atitudes que, na perspectiva deles, reduzem os privilégios.
Jair Bolsonaro – Questionado sobre a manutenção no Congresso do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por sua truculência ao defender a agenda conservadora, sem que uma denúncia de quebra de decoro parlamentar prospere, Jean tem duas hipóteses.Primeiro, que o deputado é visto muito como "uma espécie caricatura de arremedo do fascismo, quase com apelo de humor". Ou seja, na expressão popular, alguém "café com leite". Contudo, ele lembra que Bolsonaro tem conquistado corações e mentes e usado recursos públicos para difamação de adversários. A outra hipótese é de que a Corregedoria e o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados só cassam casos emblemáticos em que a grande mídia se debruça para fazer a denúncia.
Além do mais, segundo ele, Bolsonaro explicita o que muitos deputados também acreditam, mas não tem coragem de dizer publicamente, tornando-se um porta-voz de uma mentalidade que está lá presente.
Defesa da legalização da maconha – A maconha já é liberada. Liberada no sentido que ela está livre de qualquer controle, qualquer fiscalização, qualquer regulamentação. Uma criança de dez anos que queria, consegue fumar maconha. Você precisa legalizar para regulamentar a produção e o comércio. Regulamentar a produção e comércio só é possível se legalizar. A Lei Seca só pode ser aprovada porque o álcool é legal.
O Estado gasta um custo enorme para uma guerra que é inócua porque o consumo de maconha não reduziu. A resposta que estamos dando não é certa. Morrem traficantes, moradores das favelas e periferias, morrem policiais. O consumo não diminuiu, a resposta não pode ser essa.
Claudia, a faxineira que morreu baleada pela polícia do Rio e cujo corpo foi arrastado na viatura, morreu em decorrência da guerra às drogas. O Amarildo desapareceu em decorrência à guerra às drogas. Essa guerra tem vitimado pessoas das periferias, em especial as pessoas negras, por conta do racismo como herança da escravidão. Há um discurso nos grandes meios de comunicação que vinculam consumo de drogas à pobreza e à violência.
Criminalizar a homofobia não é o único caminho – O deputado acredita que a punição pode adotar outros termos para ser efetiva: Proponho que os crime contra a vida, o assassinato e a lesão corporal motivadas pela homofobia sejam punidas pelas penas já previstas no Código Penal. A gente só precisa alterar o Código Penal para colocar entre as motivações torpes desses crimes a homofobia. Ou a homolesbotransfobia, porque abarca as outras motivações de crimes dessa natureza.
A expressão letal da homofobia acontece com menor frequência, apesar de ser alto o número de homicídios de homossexuais, do que a discriminação, a injúria e o insulto homofóbico. Mas isso não tem que punido por prisão, pois meu instinto não é de vingança. Eu quero que as pessoas se transformem.
As penas socioeducativas têm um efeito melhor para o indivíduo e para o coletivo. Homofobia tem a ver com preconceitos e preconceitos são falsas certezas socialmente partilhadas. E falsas certezas só podem ser desconstruídas com conhecimento, com educação que produza a vida com pensamento. Essas pessoas não tiveram essa educação, essa educação lhes foi negada. Não acho que a prisão seja o lugar de alguém que chama o outro de "viado escroto", eu não quero que as pessoas que me ofendam e me insultam na internet vão para a prisão. Quero que elas me respeitem, quero que sofram uma sanção que as levem a refletir sobre o outro, a se colocar no lugar do outro.
Vamos nos perguntar se transformar o racismo em crime hediondo, imprescritível e inafiançável solucionou o racismo no Brasil? Vamos nos perguntar quantas pessoas foram presas por racismo no Brasil? Quase nenhuma. E qual a cor das pessoas que estão nas prisões? Pretas e pardas em sua maioria.
Nós homossexuais e os negros somos vítimas de um Estado penal duro. Será que a resposta penal é a melhor que a gente tem para dar? Ou é melhor enfrentar essas questões sistematicamente, via educação e cultura?
Educação e religião – Os senadores sofreram muita influência da direita católica e o fundamentalista evangélico [para alterar o Plano Nacional de Educação]. Tiraram do projeto a referência a conteúdo de identidade de gênero, de orientação sexual, gênero e questões de discriminação racial.
Eles têm medo de uma educação transformadora. Da possibilidade das pessoas desenvolverem um espírito que se proteja dessas manipulações grotescas, do fascismo, do ódio. Talvez eles estejam com medo de uma educação que leve às pessoas ao amor, à consciência crítica e à possibilidade de não eleger canalhas, demagogos.
O que a direita católica tem medo: uma educação que inclua o conteúdo de gênero, que ensine para as meninas que elas têm uma vulnerabilidade em uma sociedade misógina e machista e ensine às mulheres que de fato a posição subalterna é uma posição cultural e não um dado da natureza. Medo que isso possa resultar no futuro em uma possível política que reconheça os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. O direito da mulher de decidir se quer ou não ficar grávida.
Defesa dos direitos de transexuais – Alguns de nós vêm a esse mundo habitando com uma pele que não lhe cabe, que parece muito folgada ou apertada demais. E isso é fonte de muito sofrimento. Ao ponto da pessoa abandonar tudo para afirmar essa identidade.
Muita gente fala que não devemos subverter o corpo que a natureza nos deu. As pessoas esquecem que elas estão mexendo no corpo o tempo inteiro. As pessoas que nascem com dentes tortos usam aparelho ortodôntico. As pessoas que nascem com um defeito no coração põem uma ponte de safena. Não foi a natureza que deu a ponte de safena, foi a cultura, a medicina! Uma mulher que se sente infeliz com seios pequenos ou grandes faz cirurgias para ficar mais feliz consigo mesma. Por que a sociedade vai negar à pessoa transexual o direito no âmbito da saúde um atendimento de uma hormonioterapia ou uma cirurgia de transgenitalização?
Defesa da regulamentação da prostituição – Quem está autorizado a falar em nome das mulheres prostitutas são as mulheres prostitutas.
A prostituição não é crime no Brasil. Entretanto, o Brasil achou um meio de criminalizar a prostituição, criminalizando a casa e o mediador do programa. O que as prostitutas reivindicam é: todo o trabalho tem mediação. Toda a modelo tem uma agente que cava o trabalho e fica com uma porcentagem do trabalho. Elas dizem que também têm mediadores. No projeto que propuseram, colocam um ponto que é muito atacado por feministas abolicionistas: que os mediadores podem se apropriar de até 50%. Cria-se um teto para o mediador e um piso para a categoria.
Se você não regulamenta isso, abre espaço para a exploração sexual de mulheres, que é o que acontece hoje.
O que acho curioso desses coletivos feministas é falarem em mercadoria apenas no que diz respeito ao sexo. Você vê que a questão é puramente moralista. Você não vê esse coletivos preocupados com a exploração das manicures e pedicures que trabalham nos salões de beleza, que fazem unha o dia inteiro e, ao final, os salões ficam com 70%, 80% do que produzem com a desculpa de manter a estrutura do salão.
E junto com isso, defendo politicas publicas de inserção da mulher no mundo do trabalho que dêem a ela a chance de fazer da prostituição tão somente uma escolha.
Machismo, estupro e assédio sexual – No caso do metrô de São Paulo, na hora do rush, deveria haver vagões exclusivos para mulheres em que homens não entrassem. Nesse momento, não é uma segregação, mas uma disciplina-bloqueio, enquanto as campanhas de prevenção são feitas.
É curioso que as pessoas que tentaram desqualificar a pesquisa do Ipea [sobre a assédio sexual e violência contra a mulher] são as mesmas que defenderam a volta dos militares, que tentaram organizar a Marcha pela Família, que acham a Raquel Sheherazade, a jornalista do SBT, uma pessoa inteligente e justa, as mesmas que defenderam o linchamento, são as mesmas contrárias ao rolezinho.
Espantoso que boa parte das pessoas ouvidas nessa pesquisa é composta de mulheres. A mulher é instrumento da reprodução do machismo. Introjeta o machismo, da mesma maneira que muitos gays e lésbicas introjetam a homofobia, da mesma maneira que muitos negros introjetam o racismo.
A ordem da dominação masculina e a cultura homofóbica heteronormativa te colocam em um lugar e ao mesmo tempo dizem para você odiar aquele lugar que ocupa no mundo. Por isso, [é importante] o trabalho para você sair da vergonha para o orgulho. Por isso o "orgulho" é tão fundamental na luta das mulheres, dos gays e dos negros.
Marco civil e pressões das teles – Grupos na Câmara dos Deputados sofreram pressões das empresas de telecomunicações, sobretudo pelo ponto da neutralidade da rede.
Pessoas que não conhecem o marco civil da internet [que estabelece direitos e deveres de usuários, empresas e governos] que não têm acúmulo sobre essa discussão dizem que o marco civil está a serviço do comunismo. Não entendem que a internet precisa de regulamentação. Se no mundo analógico a gente não pode viver sem leis porque na internet vamos viver sem uma lei?
As grandes corporações de telecomunicações fizeram uma pressão contra a neutralidade porque a neutralidade vai impedir que elas ampliem seu lucro.
Não sou deputado, estou deputado – Não me imagino tendo mais que três mandatos. Eu não conseguiria, não é da minha natureza. Mas isso não significa renunciar do ativismo. Eu estou deputado, eu não sou deputado.
Esse temas não me trazem popularidade, me transformam em inimigo público. As pessoas me insultam, me ameaçam, me xingam, me difamam. Mas mesmo que isso ameace a minha reeleição, não vou recuar.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.