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MPT aponta que 90% trabalhavam com dor em setor de frigorífico

Leonardo Sakamoto

28/04/2014 15h04

Auditores do Ministério do Trabalho e Emprego interditaram parte da produção de uma unidade frigorífica da Brasil Foods (BRF), em Lajeado (RS), incluindo máquinas de corte de carnes, movimentação de cargas e atividades de embalagem de frangos em razão de riscos graves e iminentes à saúde dos trabalhadores – nesta segunda, a Justiça do Trabalho suspendeu a interdição.

O mais impressionante, contudo, foi uma avaliação realizada pelo Ministério Público do Trabalho, que acompanhou a ação, sobre as queixas de dor no setor de embalagem de frango no frigorífico: 90% dos empregados relataram sentir dor com habitualidade; 79% relataram o uso regular de medicamentos para conter a dor; 71,4% afirmaram que as dores aliviam apenas após um final de semana completo de repouso e 5,7% disseram que tinham um convívio contínuo com as dores no corpo, que não cessam nem mesmo nos finais de semana.

A interdição de atividades, que havia ocorrido na última sexta (25), foi suspensa por uma liminar obtida junto à Vara do Trabalho de Lajeado, nesta segunda (28). A empresa afirmou ao poder público ter atendido à exigência de redução no ritmo de produção com a contratação de mais funcionários. E diz ter eliminado os fatores críticos na movimentação de cargas. Uma nova auditoria deve ser realizada nesta terça.

Em nota à imprensa, a BRF informa que "já requereu nova vistoria dos auditores da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho do Rio Grande do Sul na unidade de Lajeado, para confirmação de que foram executadas todas as adequações necessárias para regularizar as operações". E que na própria sexta, após a auditoria, iniciou a implementação de um plano de ação. "A manutenção das atividades, inclusive, foi respaldada por liminar concedida pela Justiça."

A fiscalização constatou que em períodos de pico de produção (o que ocorreria semanalmente), a empresa concedia três pausas de 12 minutos por dia quando o esperado seria um mínimo de 50 minutos diários, conforme a Norma Regulamentadora 36 – que normatiza as condições de trabalho no setor. A NR foi organizada com a participação de governo, empregadores e trabalhadores.

"A empresa tem que estar consciente que esse ritmo excessivo de trabalho está ocasionando a lesão de trabalhadores", afirmou Mauro Muller, auditor fiscal do trabalho e coordenador da fiscalização. De acordo com Mauro, "em 2013, houve 14 afastamentos de trabalhadores com prazo superior a 15 dias, tendo sido estabelecida a correlação do adoecimento com o trabalho nos frigoríficos por parte do INSS. Apesar disso, a empresa não emitiu a comunicação de adoecimento.

De acordo com os auditores fiscais do trabalho, no setor de frangos griller (frango inteiro, com 30 dias de vida, muito exportado para o Oriente Médio), os empregados chegavam a embalar 30 aves por minuto, realizando, para isso, 90 movimentos por minuto. De acordo com Sandro Sardá, procurador do trabalho e coordenador da grupo especializado em frigoríficos do Ministério Público do Trabalho, o limite deveria ser de 40 movimento/minuto. Segundo ele, o ritmo intenso de trabalho é o principal agente de risco de adoecimentos em frigoríficos. Diariamente, no setor de frango griller, são embalados cerca de 400 mil aves por 200 empregados.

Mauro informou que, nesta segunda, a empresa se comprometeu a reduzir o número de movimentos por minuto para 26 e a produção de aves por minuto para pouco menos de sete por empregado. Para chegar a esse número, afirmaram que estão dobrando o número de trabalhadores nessa atividade. A fiscalização deve verificar se essa queda ocorreu.

A empresa tem planos de automatizar os processos de embalagem de frangos, atualmente realizados por trabalhadores manualmente.

Apenas por curiosidade, segundo informações da Moba, fabricante de uma dessas máquinas, a Maxipack, o equipamento embala até 14 frangos por minuto.

Levantamento – Os procuradores do Trabalho Heiler Natali e Sandro Sardá participaram da fiscalização e entrevistaram 45 empregados do setor de embalagens de frango griller, o que representa 50% dos contratados no setor no primeiro turno de trabalho.

A avaliação sobre as queixas de dor no setor de embalagem de frango griller no frigorífico revelou dados impressionantes: 90% dos empregados relataram sentir dor com habitualidade; para 44,5%, o ritmo de trabalho na empresa é muito rápido e para 53,3%, o ritmo é considerado rápido. Somente para 2,2% o ritmo é normal.

No total, 79% dos empregados relataram o uso regular de medicamentos para conter a dor; 71,4% relataram que as dores aliviam apenas após um final de semana completo de repouso e 5,7% dos entrevistados relataram convívio contínuo com as dores no corpo, que não cessam nem mesmo nos finais de semana.

Pelo menos, 50% relataram dor de intensidade forte; 39,3% relataram que as dores tiveram início a partir de três meses de trabalho e 97,8% informaram que a empresa não concede regularmente todas as pausas, sendo frequente a subtração de pausas.

O relatório produzido a partir das entrevistas conclui que "os dados comprovam a necessidade imediata adequação do ritmo de trabalho".

"É inadmissível que a empresa não conceda integralmente as pausas previstas na NR 36, configurando uma conduta deliberada em não proteger a saúde dos trabalhadores mesmo diante de graves agentes de risco tal como frio e o ritmo", afirma Sandro.

Fruto da associação da Sadia com a Perdigão, a Brasil Foods obteve lucro líquido de 1,1 bilhão de reais em 2013. De cada quatro frangos consumidos no mundo, um é produzido por ela, que conta com 110 mil empregados no Brasil distribuídos em 50 fábricas.

Em tempo: celebra-se, nesta segunda (28), o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto