Licença-maternidade impede o progresso. Que a mãe trabalhe e o bebê também
Leonardo Sakamoto
03/05/2014 09h48
Tive a oportunidade de ver, com estes olhos que a terra há de comer, um debate na TV em que um grupo de "especialistas" discutia a Consolidação das Leis do Trabalho.
Instados por um apresentador (que, com muita dificuldade, disfarçava os pelinhos ouriçados do braço e da nuca e aquele arrepio louco de prazer que subia a coluna a cada vez que um dos convidados falava de desregulamentação), questionaram o porquê de tantas "regalias" que travam a competitividade.
O melhor é que não havia uma voz dissonante sequer, mas o apresentador insistia no autoelogio da pluralidade com base no fato de que algum deles, se fosse muito pressionado, talvez-quiçá discordasse de trabalho infantil.
Até que um deles disse algo como "nos Estados Unidos, não há essa situação de licença-maternidade de quatro a seis meses como no Brasil – o que é um problema não apenas para a empresa mas para a própria carreira da trabalhadora".
Errrr…oi?
Daí, fiquei confuso. Afinal de contas, o programa do Marcelo Adnet e do Marcius Melhem é só na madrugada de quinta para sexta. Então, o que aqueles humoristas estavam fazendo tão cedo na TV? E o respeito à classificação indicativa? Dizer essas coisas com as criança na sala?
Ou seja, maldito ato de amamentar que impede as mulheres de serem produtivas e, portanto, felizes! Nada sobre a falta de políticas corporativas para impedir que elas ganhem menos pela mesma função, não sejam preteridas em promoções para cargos de chefia pelo fato de serem mulheres e não precisem temer que a maternidade "roube" seu direito a ter uma carreira profissional. Isso sem contar o assédio.
Até porque, até onde eu sabia, a capacidade reprodutiva era fundamental para a espécie humana. Mas se deixou de ser, por favor me avisem.
Há países da Europa Ocidental (esse lugar decadente e horrível) em que uma licença estendida pode ser dada à mãe ou ao pai – sim, em um casal com direitos iguais, tarefas são divididas igualmente. E em alguns países, como na Alemanha, ela pode optar por tirar quatro meses e os outros dois ou oito ficam com o pai, se assim decidirem.
Ah, mas cuidar de criança é coisa de mulher. E minha mulher fica em casa cuidando dos meus filhos. Eu tenho minha carreira e o sonho de toda mulher é ser mãe. Então, cada um na sua…
No círculo de debates da TV, nenhuma mulher, apesar de tantas e tão boas entre economistas e jornalistas que cobrem a área. Aliás, a menos que tenha deixado alguma coisa passar, todos os falantes eram donos ou sócios de alguma coisa. Portanto, nenhum assalariado também.
Regalias. Como:
– Férias remuneradas
– Limite de jornada de trabalho
– Adicional insalubridade
– Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
– Previdência Social para afastamento por saúde ou aposentadoria
– Décimo terceiro salário
– Piso salarial de categoria
– Idade mínima para começar a trabalhar
– Dissídio (ah, o dissídio, que os incautos acham que vêm do nada como o leite vem da padaria)
– Local de trabalho digno
Você que conta com essas coisinhas listadas acima, considera que elas são importantes, não? E muitos de vocês que não têm – e não querem ou não conseguem ser empreendedores – sentem a falta que faz, por exemplo, uma licença-maternidade, não?
Então porque quando alguém critica a CLT e diz que tem que desregulamentar tudo, terceirizar os terceirizados, liberar geral pelo bem da nação muita gente cai nesse conversê de mimimi floreado, acha que os caras têm razão e bate palma?
Como dizia um velho professor, o masoquismo é uma arte.
Informatizar, desburocratizar, reunir impostos e contribuições e tornar mais eficiente a aplicação da legislação trabalhista é possível, desejável e certamente irá gerar boa economia de recursos para empresários e de tempo para trabalhadores.
E ajudará a combater os sonegadores que, por aqui, crescem maravilhosamente bem. Pois se temos grandes números girando no "impostômetro" temos também no "sonegômetro" que não fica atrás.
Mas o problema é que, por trás do discurso do "vamos simplificar", estamos ouvindo hoje propostas de tirar do Estado o papel de regulador nesse processo, deixando os compradores e vendedores de força de trabalho organizarem suas próprias regras.
Quando um sindicato é forte e seus diretores não jogam golfe com os diretores das empresas nem recebem deles mimos, ótimo, a briga será boa e é possível que se obtenha mais direitos do que aquele piso da lei. Mas, e quando não, faz-se o quê? Senta e chora?
Há mudanças importantes que podem ser feitas sem mexer na legislação trabalhista. Por exemplo, rebaixar a contribuição de trabalhadores e empregadores ao INSS, compensando com a tributação do faturamento de empresas que não são intensivas em mão de obra ou que não fazem recolhimento per capita do INSS de seus empregados, como instituições do sistema financeiro ou empresas que usam alta tecnologia.
Traduzindo o que foi escrito acima em sânscrito: quem contrata mais, deveria recolher menos à Previdência do que os que contratam menos.
Uma redistribuição dos tributos também cai bem, zerando os que recaem sobre a cesta básica e parte do vestuário, por exemplo. Afinal de contas, o aumento da produtividade e o aumento na arrecadação devem levar à diminuição do custo de vida para o trabalhador e não ao enriquecimento de alguns.
Torço para que, nesta eleições, todos os postulantes a cargos públicos discutam claramente e sem rodeios como pretendem tratar os direitos dos trabalhadores. Dizer que pretende diminuir a informalidade ajustando a lei, como costumam dizer muita gente, é igual a reduzir o trabalho infantil baixando a idade mínima do que se considera trabalho infantil. Ou reduzir a pobreza rebaixando o limite a partir do qual se considera alguém pobre.
Mas esqueçam. Nenhum candidato será verdadeiramente pressionado a se posicionar a respeito de alguns projetos concretos de interesse dos assalariados ou dos mais pobres.
Assuntos como redução da jornada de trabalho, aumento geral da licença maternidade para seis meses, taxação de grandes fortunas e de heranças, correção dos índices de produtividade da terra, defesa da legislação de proteção ao meio ambiente, entre outros, são tratados como polêmica ou tabus pelas campanhas. Como se tratar disso fosse um atentado ao pudor.
Enquanto isso, tem gente que dança pelado, com o corpo untado de azeite de oliva e um raminho de alecrim nos lábios, sem medo de ser feliz, durante debates econômicos na TV.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.