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Crime: Roubar. Punição: Sequestro, tortura e morte

Leonardo Sakamoto

12/05/2014 16h48

Torturar e matar alguém por alguns pacotes de bolachas? Assassinar alguém pelo furto de coxinhas? Mandar alguém para a cadeia por subtrair chicletes? O caso de uma manicure que foi sequestrada, torturada por três horas e morta por ter supostamente roubado R$ 27 mil de uma casa, em Osasco, na Grande São Paulo, é mais um capítulo sobre os limites da irracionalidade de pessoas e instituições.

A Polícia Civil afirmou que a versão inicial – de que Ane teria morrido pelo furto de um pacote de biscoitos – mudou. Segundo o delegado Itagiba Franco, a razão teria sido o furto de R$ 27 mil de um dos três acusados de terem participado do assassinato. Daí corrigi a informação aqui no blog.

Particularmente, acho que a mudança de versão é interessante, pois cria outro debate importante: valores mais altos mudam a nossa leniência para com os justiceiros?

"Ah, mas bandidos também fazem isso com pessoas." O argumento é de uma ignorância infantil, pois a partir do momento em que passarmos todos a agir como eles, e deixar de tentar corrigir e fortalecer as instituições, a sociedade como a conhecemos deixa de existir. Daí, é o salve-se quem puder.

Ninguém está defendendo quem comete crimes. O que está em jogo aqui é que tipo de Estado e de sociedade que estamos nos tornando ao acharmos que Justiça com as próprias mãos é solução e punições severas para crimes ridículos (mesmo reincidentes) têm função pedagógica.

Mas isso não é novidade. Este blog já falou do assunto um rosário de vezes, como no caso do garoto preso a um poste no Rio.

O problema é que, no fundo, coisas valem mais que a vida. Do lado dos "bandidos". Do lado dos "mocinhos".

Com o caso de Osasco, atualizei minha relação de punições idiotas:

(Texto atualizado às 19h30)

 

Ane Kelly – Sequestrada, torturada e assassinada porque teria roubado dinheiro em Osasco (SP). A tortura foi gravada em vídeo.

 

Um homem em situação de rua foi espancado pelo dono de um supermercado, seus empregados e moradores, em Sorocaba (SP), após furtar um xampu nesta quarta (26). Ele está internado com afundamento do crânio.

 

Sueli – 
Condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas em uma loja.

 

Ademir – 
Assassinado por ter furtado coxinhas, pães de queijo e creme para cabelo de um supermercado. O pedreiro foi levado a um banheiro, agredido com chutes, socos e um rodo e deixado trancado, definhando. Morreu por hemorragia interna e traumatismos.

 

Valdete
 – Condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete. Teve um habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal, pois o princípio da insignificância não se aplicaria, afinal não era para saciar a fome.

 

Franciely
 – Acusada de roubo de duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em um hipermercado.

 

Rafael
 – Condenado a cinco anos de prisão por carregar frascos de desinfetante ede  água sanitária durante as manifestações de junho. O Ministério Público e a Justiça consideraram que o catador de material reciclável iria fazer um "artefato explosivo"

 

Maria Aparecida -
 Mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado. Perdeu um olho enquanto estava presa.

 

Walter
 – Espancado em uma cela para que confessasse o furto de uma máquina de lavar do desembargador Teodomiro Fernandez, crime que ele não cometeu. Cuspindo sangue, pediu pediu que o magistrado fizesse o investigador de polícia interromper a sessão de tortura. "Ele vai parar, quem vai bater agora sou eu", foi a resposta.

 

Januário
 – Espancado por cinco seguranças, durante 20 minutos, no estacionamento de um hipermercado. Acharam que o vigilante estava roubando o próprio automóvel.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto