Lógica binária: nosso maior orgulho nacional
Leonardo Sakamoto
30/05/2014 07h56
Criticou gastos para a Copa? Não gosta de futebol.
Foi à rua protestar? Quer derrubar o governo.
Elogiou uma ação do governo federal? Petralha.
Comentou que uma política de São Paulo era boa? Tucanalha.
É de esquerda? Tem que fazer voto de pobreza.
É de direita? Chicoteia os empregados.
Defendeu sem-teto? Se não levar para casa, é hipócrita.
Torceu o nariz para o machismo? É bicha.
Fumou maconha? Amanhã, vai fumar crack.
Não tem Deus no coração? É do mal.
Criticou a violência policial? Quer policiais mortos.
Foi contra linchamento? É a favor de bandido.
Não postou foto? Não esteve lá. (E se não deu like, é porque não é amigo.)
Dançou animada na balada? Tá pedindo homem.
Vestiu saia curta na rua? Tá pedindo homem.
Sozinha no Carnaval? Tá pedindo homem.
Reclamou da concentração de verba pública para uma emissora de TV? Não pode ver novela.
É índio? Tem que andar nu e não ter carro.
Fez greve em ano de eleição? É da oposição ou inocente útil.
Não é homem? Então, tem que ser mulher.
Não está conosco? Então, está contra nós.
Não é patriota? Pois é um inimigo da nação.
Não o ama? Então, deixe-o.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.