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Para que servem reis e rainhas? Vender tabloides e caçar elefantes

Leonardo Sakamoto

03/06/2014 08h05

Um jornalista, cujo nome à memória me escapa, disse que a principal função da maior parte das monarquias europeias, nos dias de hoje, é pão e circo. Ou, mais precisamente no caso inglês, gerar conteúdo para vender tabloides

É claro que há razões para a manutenção de um chefe de Estado vitalício ou mesmo hereditário com mínimos poderes em um governo parlamentarista. E, de todas as justificativas, o custo de mudança do sistema talvez seja uma das conhecidas. Alterar um "time que está ganhando", se há estabilidade no atual modelo, é interessante? Os ganhos políticos e econômicos da mudança do sistema são maiores do que pagar imposto às majestades?

Particularmente, acho a monarquia uma excrescência bizarra. Como o dente do siso.

E não estou falando das absolutistas. Nesses casos, o remédio é uma boa revolução popular – desde que não implantada uma ditadura militar no lugar, é claro.

Mas, não vou negar, fico com certa pena dos colegas de profissão obrigados a fazer para cumprir pautas relacionadas às coroas. Por exemplo, falar da rendinha no enfeite da orelha esquerda do cachorro manco (mas deveras chique) que vai acompanhar uma ex-babá da futura esposa do herdeiro do trono britânico.

O que me lembra que, vira e mexe, páginas, minutos e bytes são dedicados ao que pensam e como vivem os herdeiros dos Orleans e Bragança, nossa casa imperial. Já vi comentarista, inclusive, sugerindo – em nome do luxo e da glória – um novo plebiscito pela volta da monarquia ao Brasil. ‎"Se a gente fosse primeiro mundo, tinha rei e rainha", filosofaram-me na rua algum tempo atrás. Ah, a #zoeiraneverends.

Vox populi, vox dei, em nome da Restauração! Poder moderador é o que liga. Na prática, Sarney já é Chalaça, é só institucionalizar. Mas se eu fosse Deus (rá!) e pudesse indicar monarcas, colocaria os sobreviventes do Monty Phyton para chefiar o Estado inglês. E o pessoal do Porta dos Fundos para ocupar o Planalto.

Certamente não iriam para um safari na África para caçar elefantes em Botsuana, como fez o rei Juan Carlos em plena crise econômica espanhola. Ele, que é considerado como peça importante na transição da ditadura para a democracia em seu país, não estava nos seus melhores dias. Agora, o rei abdica em nome de seu filho. E milhares de espanhóis aproveitam para ocupar as ruas, pedindo a República. Coisa linda de se ver.

Isso me dá esperança de que não seja necessário descambar a discussão para aquela história, atribuída a Diderot, de tripas, últimos reis, últimos papas e um certo enforcamento. Particularmente, e se não nos matarmos antes, tenho fé que a história humana, através da ação consciente e cotidiana de seus membros, tratará de "enforcar" primeiro a monarquia, depois a religião. Utopicamente, incomodam-me os intermediários entre as pessoas e as pessoas e as pessoas e seus deuses, mas isso é outra história.

Nesse caso, ficaremos só nós, o povo. E uma certa torcida para que o povo do amanhã seja mais consciente que o povo de hoje. Que pelo menos saiba entender e respeitar a dignidade do outro como se fosse a sua própria, coisa que "reis", "papas" e o "povo" ainda não sabem fazer direito.

Pois, como disse Oscar Wilde: "Há três tipos de déspotas. Aquele que tiraniza o corpo, aquele que tiraniza a alma e o que tiraniza, ao mesmo tempo, o corpo e a alma. O primeiro é chamado de príncipe, o segundo de papa e o terceiro de povo".

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto