Em um semáforo, um pobre e um rico pediam dinheiro
Leonardo Sakamoto
17/07/2014 17h17
Conversas de semáforo tendem a ser objetivas.
Por vezes, produzem pequenas poesias, quase hai cais, da urbanidade.
É este o caso narrado por um advogado ao blog.
Caso que não exclui o lirismo apesar de narrado por um advogado.
Em uma esquina movimentada de São Paulo, jovens com nomes de faculdades pintados nos rostos à guache abordavam os veículos:
– Oi, tudo bem? Você poderia me dar uma moedinha. Eu passei na faculdade.
Vendo a cena, uma pessoa em situação de rua que também fazia ponto naquele local e olhava ressabiado para a profusão de felicidade, provido de uma capacidade de sobrevivência deliciosa achegou-se enquanto o jovem ainda estava lá:
– O senhor também poderia me dar uma? Eu também passei. Passei fome, passei frio, passei necessidade…
Dar dinheiro alegremente – quiçá projetando-se no outro a fim de reviver um saudoso momento e participar de um rito comum à sua classe social.
Ou dar dinheiro de forma constrangida – por ter melhores condições em um país extremamente rico e proporcionalmente desigual, sentindo-se obrigado diante da circunstância no semáforo ou sob o efeito de sentimentos como a pena.
Qual foi o desfecho? Nem te conto.
Fica mais interessante que cada um termine a história do seu próprio jeito.
Sem falsos moralismos, importa menos a conclusão que damos ao caso do que o caminho que levamos para chegar até ela. Ou seja, não é porque você não deu a moedinha ao "playboyzinho" e sim ao "mendigo" que você vai para o céu. Se o céu existisse, claro.
Esse caminho diz muito sobre como imaginamos a sociedade. Mas diz mais ainda sobre quem imaginamos ser.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.