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A matança segue em Gaza: Ignorância não é benção. É delinquência social

Leonardo Sakamoto

22/07/2014 17h20

Li reclamações de leitores de jornais e sites devido a imagens fortes vindas de Gaza com civis mortos. Uns dizem que é apelação, outros sensacionalismo. Há os que fazem teses sociológicas sobre o interesse humano em ver a desgraça alheia ou em consumir imagens de sangue e vísceras.

Menino palestino se agarra a um paramédico em Gaza após bombardeio (ApaImages/REX/REX USA)

Alguns disseram que é o mesmo que circular fotos dos integrantes da banda Mamonas Assassinas desfigurados após a queda de seu avião ou imagens do corpo de Ayrton Senna depois do acidente em Ímola. O que é uma tremenda de uma besteira, vinda de quem não consegue diferenciar que duas imagens esteticamente semelhantes podem ser radicalmente diferentes.

Criança palestina vítima de ataque é atendida em hospital – Emad Nassar/Al Jazeera

Publicadas com cuidado, por mais que doam aos olhos e mexam com o estômago e atrapalhem o jantar ou o café da manhã, certas fotos têm o poder de trazer a realidade para perto. É fácil ficar indiferente diante de números de violência, mas com rostos a situação muda de figura.

Dizer que o exército israelense matou mais de 600 pessoas, dos quais mais de 120 crianças, em Gaza é uma coisa.

Mas mostrar o corpo destroçado de um rapaz moreno, de olhos bonitos, que era marceneiro, e sua noiva, professora, que gostava de cantar de manhã é outra.

Menina grita enquanto médicos tentam ajudá-la no Hospital Al-Shifa, em Gaza. Foto: Unicef/Eyad El Baba

Ou ainda crianças de uma mesma família, que sempre esperavam até a noite acordadas a chegada do pai que trazia comida para casa.

Ou um motorista de uma ambulância, que tinha orgulho do seu trabalho.

O outro deixa de ser estatística, e passa a ser um semelhante, pois é feito de carne, osso e sangue e não de números.

Nesse momento, há uma aproximação, uma identificação, fundamental para empurrar os espectadores do conflito para ações – do protesto ao boicote. Seja em um massacre no Oriente Médio, em uma guerra entre grupos rivais na África ou um conflito armado em favelas de grandes cidades do país.

Médicos palestinos seguram menino que teria sido ferido em um ataque israelense (Ibraheem Abu Mustafa/Reuters)

Vivemos em um mundo cuja informação se espalha em tempo real. Mesmo com essa facilidade, muitos se furtam de ter acesso a ela. E em um mundo onde a comunicação é globalizada, cresce a força e a importância de ações globalizadas pela paz.

Diante de situações extremas, como a que se vive hoje na Faixa de Gaza, fazer questão de não saber o que está acontecendo deixa de ser uma benção e passa a se configurar como uma imperdoável delinquência social. Pois como é possível cobrar ações internacionais por parte de nossos governos e empresas se fazemos questão de nos manter naquele lugar quentinho e confortável que é a ignorância?

Menina ferida em ataque israelense (Oliver Weiken/EFE)

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto