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Guia rápido para não ser massa burra de manobra nas eleições - Parte 1

Leonardo Sakamoto

28/07/2014 08h42

Nem bem o período eleitoral começou e as caixas de e-mails e timelines já estão coalhadas de maluquices, baboseiras, teorias conspiratórias, cascatas, invencionices e demais mimimis de causar vergonha alheia ao mais incapaz dos comediantes.

Nunca entendi muito bem por que as pessoas acreditam piamente naquilo que recebem aleatoriamente. Será que entendemos o anonimato do que é apócrifo como uma espécie de "sinal" divino? Do tipo: "Senhor, dê-me os números vencedores do jogo do bicho!" – e, minutos depois, você interpreta uma foto de um pug com um chapéu de orelhas grandes, que chegou acidentalmente por e-mail, como resposta para apostar no "coelho"? Vai que, da mesma forma que o Altíssimo escreve certo por linhas tortas, ele também "emeia" justo por internet frouxa, não é?

Temendo pela minha, a sua, a nossa sanidade mental diante da miríade de mentecaptos, sejam os mercenários pagos pelas campanhas (que operam dezenas de perfis falsos pela rede), seja os otários que fazem isso por conta própria e gratuita, resolvi resgatar e atualizar textos já publicados aqui para auxiliar a não sermos replicadores de conteúdo falso na rede. Juntos formam um breve, mas útil guia de sobrevivência até o final de outubro.

O mais interessante é que algumas dessas mensagens contam com mentiras tão bem construídas que tem mais gente acreditando nelas do que em boas matérias, com dezenas de fontes, feitas por jornalistas com decantada credibilidade, que – com paciência e tristeza – desmentem ou explicam um caso.

– Ah, mas jornalistas de veículo grande só contam mentiras porque são soldados do grande capital a soldo da manutenção do status quo.
– Ah, mas jornalistas alternativos só contam mentiras porque funcionam como guerrilhas destruidoras a soldo do interesse do governo/oposição.

Afe… Jornalista que lê comentário na internet deveria ganhar adicional insalubridade.

Fala a verdade: é muito mais quente e saboroso acreditar que todas as desgraças do mundo são causadas por um político X ou Y do que lembrar que, não raro, o comportamento bizarro deles não é muito diferente do que fazemos no microcosmo. Lá como reflexo daqui, pois somos feitos do mesmo caldo. Mas culpar o espelho, assusta, não? E não é tão glamouroso quanto personificar o mal na figura do outro.

A rede mundial de computadores nos abriu um mundo de possibilidades. Hoje, um leitor – se quiser – consegue acessar fontes confiáveis e encontrar números, checar dados, trocar ideias com amigos, comparar governos ou mesmo desmentir pataquadas.

Então, mexa esse traseiro gordo e faça uma análise dos fatos, a sua análise.

Não jogue fora sua autonomia por conta de uma mensagenzinha mequetrefe. E cuidado! Ao se debruçar sobre questões do seu cotidiano, ao informar-se, debater com outras pessoas, você vai estar fazendo Política, com "P" maiúsculo e não fofoca. E enterrando muitos dos preconceitos que hoje professa. Em suma, mudando de fato o "estado das coisas".

Coisa que o Povo do Spam não quer. Pois, o Povo do Spam quer você ignorante para que seja massa burra de manobra.

Algumas mensagens travestem opinião como dados isentos e descontextualizam ou ocultam fatos que não são interessantes para o argumento defendido. Trago novamente algumas sugestões reunidas tempos atrás por Rodrigo Ratier, jornalista e mestre em pedagogia, grande especialista na área de educação e comunicação, para usar a lógica a fim de perceber problemas nos textos.

Quem já adota essas ferramentas, pode parar a leitura por aqui e vá curtir uma foto de um pug vestido de batman (adoro pugs, aliás). Caso contrário, fica aqui a sugestão:

"A camisinha não protege contra o vírus HIV. A epidemia de Aids cresceu justamente porque se confia nessa proteção", disse um bispo certa vez.
Desconfie dos argumentos de autoridade. Não é porque o Papa, o Patriarca de Istambul ou a Bispa Sônia disseram algo que você tem que acreditar, não é? O mesmo vale para o presidente da sua associação de moradores ou o diretor do seu sindicato. É preciso provar o que se diz. Exija confirmação dos fatos ou vá atrás dela.

"Não ouviremos as posições do antropólogo Luiz Mott sobre o casamento gay: ele é homossexual."

Para desmontar um discurso, não se ataca o argumentador, mas sim o argumento.

"Nesta eleição, vamos escolher entre um Sartre e um encanador."
Não se ridiculariza o outro apenas por ser seu adversário.

"Antes do MST existir, não havia violência no campo."
Falsa relação de causa e consequência – um fato que acontece depois do outro não necessariamente foi causado pelo primeiro.

"Na guerra contra o terrorismo, ou você apoia a invasão do Iraque ou está alinhado com o mal."

É errado excluir o meio termo. Um debate maniqueísta é mais fácil de ser entendido, mas o mundo real não é um Palmeiras e Corinthians, um Fla-Flu, um Grenal, enfim, vocês entenderam.

"Ou se dá o peixe ou se ensina a pescar."
Isso é uma falsa oposição. Não se opõe curto e longo prazo necessariamente. Uma ação não invalida a outra. Elas podem ser, inclusive, subsequentes ou coordenadas.

"Isso não é demissão. A empresa apenas avisou que precisará passar por um redimensionamento do quadro de colaboradores."
Não se deixe levar pelos eufemismos. Nem por quem fala bonito. Uma pessoa pode te xingar e você, às vezes, nem vai perceber se não se atentar para as palavras que ela escolheu.

"Avenida Faria Lima, Águas Espraiadas, Imigrantes, Minhocão, Rodovia dos Trabalhadores: alguém aí consegue imaginar São Paulo sem todas essas obras feitas pelo Maluf?"
Desconfie dos e-mails que contém um monte de acertos de alguém e ignoram, solenemente, os erros.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto