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Ame-o ou deixe-o: o 7 de setembro me dá uma preguiça

Leonardo Sakamoto

07/09/2014 16h13

A letra do hino nacional brasileiro não foi eleita uma das mais bonitas do mundo, ao contrário do que afirmam correntes que circulam na rede.

Mas ainda temos tristes índices de iletramento.

Também é mito que a bandeira nacional (cujo verde não tem nada a ver com "nossas matas") é considerada uma das mais belas.

Mas somos reconhecidos pelas altas taxas de desmatamento.

O povo brasileiro não é o mais alegre do planeta.

Mas é um dos campeões de desigualdade social e de concentração de renda.

A democracia racial, apesar de alardeada como exemplo planetário, não existe e, por isso, não nos define.

O que nos explica são séculos de escravismo e suas heranças.

O Brasil não é o país que tem a mulher mais bonita do mundo. Até porque esse país não existe.

Mas somos um país reconhecidamente machista.

Nossa comida não foi eleita a mais gostosa.

Mas estamos entre os campeões de uso de agrotóxicos.

Não está escrito em lugar algum que teremos um futuro grandioso pela frente.

Nem que teremos um futuro.

Em suma, muito cuidado. Datas como esta servem para compartilhar ou empurrar alguns elementos simbólicos que, teoricamente, ajudam a forjar ou fortalecer a noção de "nação", mostrando que somos iguais (sic) e filhos e filhas da mesma pátria (sic).

Mesmo que, no dia a dia, a maioria seja tratada como um bando de bastardos renegados.

Ser brasileira e brasileiro, na verdade, é a nossa maneira particular de construir e perceber a realidade.

E, aproveitando o 7 de setembro, de que forma estamos fazendo isso? Celebrar as nossas forças armadas (que ainda vivem sob a herança da ditadura, carregadas de pessoas cheias de pó que se mantém feito gárgulas a tudo observar e criticar) e feitos militares bisonhos deveria ser usado como subsídio para debater a nossa construção de realidade? Ou seria o momento de uma boa reflexão, coisa que precisamos cada vez mais nesses dias em que chamamos indígenas de intrusos, camponeses de entraves para o desenvolvimento e imigrantes bolivianos e haitianos de vagabundos?

O melhor de tudo é que, ao levantar indagações sobre quem somos e a quem servimos e conclamar ao espírito crítico, somos acusados de não amar o país, no melhor estilo "Brasil: ame-o ou deixe-o" dos tempos de chumbo da Gloriosa.

Orgulho de ser brasileiro. Mas nem sempre.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto