Dilmistas, Marinistas e Aecistas: andem uniformizados, por favor
Leonardo Sakamoto
17/09/2014 09h08
Gosto de acompanhar os debates dos presidenciáveis comentando pelo Twitter. Já foram ossos do ofício. Hoje, considero apenas um hábito não saudável.
E, ao contrário do que muitos possam pensar, todos os candidatos e candidatas têm muito o que oferecer. Principalmente no campo da graça.
Com o tempo, percebe-se que há comportamentos que se repetem entre os tuitadores.
Se você faz um comentário jocoso sobre o candidato A, o eleitor do B posta que você é "gênio da raça". No momento seguinte, ao fazer um comentário jocoso sobre B, o mesmo eleitor diz que você é o "maior débil mental da face da Terra". Se você goza de C, o cara de B volta a dizer que "Saka é rei". Para, depois, sugerir que você seja "processado pela lei eleitoral" quando fala novamente de B, porque B dá margem para isso (comentários reais retirados do Twitter).
Na minha timeline, não salva ninguém. Todos têm torcidas organizadas na rede – Dilmistas, Marinistas, Aecistas…- para falar dos três candidatos à frente. E não falo do povo que faz o debate político saudável, não. Muito menos dos haters e trolls contratados pelas campanhas para fazer o papel de contrainformação, desconstrução, vigilância e ataque. Estou falando do pessoal que faz isso na faixa, por amor à camisa.
Mais do que um sentimento de estar construindo um mundo novo, coletivamente, esse pessoal se junta guiado pela sensação de conforto trazida pelo sentimento de pertencimento a um grupo. E, o melhor: esse grupo se define muitas vezes não pela aceitação das propostas do seu candidato, mas por identidade reativa ao adversário. Juntam-se pelo ódio ao outro, não pelo amor ao seu.
Eles abandonam a razão muito antes que o povo das organizadas do futebol. Esse sabe quando o seu time dá vexame e quando manda bem, protesta contra os dirigentes, vaia a própria esquadra, reconhece jogadas de craque do adversário, enfim, "lealdade, humildade, procedimento".
As organizadas eleitorais da internet, não. Tudo o que sai da boca de seu candidato ou sua candidata é a Verdade Suprema com cheiro de lavanda, ladeado por coelhinhos brancos e fofos. E, da boca do outro, a mais completa titica pútrida e fétida, infestada de vermes e baratas.
Muito se critica a Mancha Verde, a Gaviões da Fiel ou a Independente. Mas, ao menos, o pessoal das torcidas anda uniformizado. Na internet, com exceção de alguns poucos que se identificam como tal, não temos muita informação sobre eles. Estão na penumbra. Andando nas sombras. Podem ser qualquer um.
Você pode estar, neste momento, pedindo uma caracu com ovo e um torresmo à milanesa no boteco ao lado de um deles e nem sabia. Isso dá medo, não?
Por isso, peço que cada uma das organizadas lancem seu uniforme próprio, digital e analógico de preferência. Não é discriminação, longe disso.
Mas, dessa forma, é mais fácil ser condescendente até outubro quando tiverem seus ataques bipolares de raiva.
"Calma, ele é um torcedor eleitoral, não um eleitor. Não é culpa dele. Não sabe o que diz."
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.