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Candidatos receberam de flagrados com trabalho escravo, diz estudo

Leonardo Sakamoto

02/10/2014 15h39

Seis candidatos que disputam as eleições deste ano são donos, eles próprios ou sua família, de empreendimentos flagrados com trabalhadores em condições análogas às de escravos. Outros 61 são ou já foram financiados por empresas ou pessoas ligadas a esse tipo de exploração. Entre os presidenciáveis, está o candidato Aécio Neves.

Isso é o que aponta levantamento realizado pela Transparência Brasil, que cruzou os dados do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escrava (a conhecida "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), com informações dos projetos Quem Quer Virar Excelências (para verificar dados dos candidatos) e Às Claras (para buscar doações já realizadas no passado). No caso de empresas, também foram buscados os nomes dos donos, sócios e administradores.

Dos seis políticos, três são deputados federais em busca de reeleição: João Lyra (PSD-AL), Camilo Cola (PMDB-ES) e Urzeni Rocha (PSD-RR). O deputado estadual Camilo Figueiredo (PR-MA), que também busca reeleição, e o seu filho, Camilo Figueiredo Filho (PC do B-MA), que se candidata pela primeira vez. E a candidata ao governo do Mato Grosso Janete Riva (PSD-MT), que tornou-se candidata após a renúncia do marido, José Riva, barrado pela Lei da Ficha Limpa.

De acordo com a Transparência Brasil, o número de candidatos na "lista suja" poderia ser maior: José Essado Neto (PMDB- GO), que foi flagrado submetendo trabalhadores a condições degradantes em uma fazenda produtora de tomates em 2007, renunciou à candidatura a deputado. Ex-prefeito de Inhumas, ex-deputado estadual e suplente de deputado estadual na legislatura atual já financiou 42 políticos, num total de R$ 1.793.342.

Candidatos financiados – Ao todo, 61 candidatos aptos nas eleições deste ano receberam, entre 2002 e 2014 (considerando as segundas prestações de contas parciais, com dados de setembro), R$ 21,1milhões de 39 pessoas físicas ou jurídicas da chamada "lista suja".

O levantamento considerou também as doações realizadas antes da inclusão do infrator na "lista suja". Primeiro, porque entre o flagrante e a inclusão na lista há um período de defesa do infrator em âmbito administrativo. Em outros casos, a situação encontrada existia muito tempo antes do flagrante.

Os partidos com o maior número de candidatos financiados por escravagistas são PSDB (11), PT (10) e PSD (8). De acordo com a Transparência Brasil, 12 dos 61 candidatos financiados disputam a Presidência, algum governo estadual ou uma vaga no Senado Federal. São eles:

– O presidenciável Aécio Neves (PSDB). Vale lembrar que o candidato foi o único dos três com chances de alcançar a Presidência da República que não quis endossar a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, documento com propostas de governo para o combate a esse crime lançado pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae);

– Os candidatos a governador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Fernando Pimentel (PT-MG), Marconi Perillo (PSDB- GO), Tião Viana (PT-AC) e Wellington Dias (PT-PI);

– Os candidatos ao Senado Antonio Anastasia (PSDB-MG), Helenilson Pontes (PSD-PA), Mário Couto (PSDB-PA), Paulo Rocha (PT-PA), Perpétua Almeida (PC do B-AC) e Ronaldo Caiado (DEM-GO);

As empresas da "lista suja" que mais financiaram campanhas foram a Laginha (R$ 4.371.006), a Usina Siderúrgica de Marabá (R$ 3.047.310) e a Eplan (R$ 872.410).

A lista completa, bem como a íntegra do levantamento da Transparência Brasil, pode ser encontrada aqui.

Com base nesses resultados desse importante levantamento da Transparência Brasil, alguns comentários.

Sabe-se que proprietários rurais que utilizaram trabalho escravo contemporâneo possuem expressiva representação política.

Não há subsídios, contudo, para afirmar que todos os eleitos com recursos da "lista suja" em outros anos atuaram efetivamente para o favorecimento desses empregadores. Também não há provas de que os empregadores escravagistas que se elegeram políticos beneficiaram a si próprios nessa matéria. Fiz um acompanhamento semelhante em meu doutorado há uns dez anos. Para uma análise que comprovasse uma relação de causa e efeito, seria necessário destrinchar os projetos e o comportamento desses eleitos não apenas no que diz respeito ao trabalho escravo contemporâneo, mas também com relação às questões de trabalho, fundiárias e de destruição do meio ambiente – assuntos intimamente ligados à escravidão.

Por exemplo, comparando esses nomes e a lista de votação da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado (promulgada em junho, depois de 19 anos de trâmite), tanto na Câmara quanto no Senado, não se chega a uma conclusão. Muitos deputados e senadores seguem a recomendação da bancada de que fazem parte. Outros são contrários à aprovação da PEC, mas na votação em plenário, feita por voto aberto, posicionaram-se a favor, provavelmente para não terem sua imagem vinculada à manutenção dessa forma de exploração do trabalho.

O ato da doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas ideias, seja por sua classe social, ou que quer criar um vínculo por meio desse apoio em campanha. O benefício não precisar vir em assuntos diretamente relacionados ao trabalho escravo, mas em outros temas que dizem respeito à defesa de determinada atividade econômica, por exemplo. Portanto, pode-se afirmar que esses empregadores-doadores estão representados politicamente, mas não que esses representantes agiram, necessariamente, em prol de seus financiadores de campanha na área de trabalho escravo. Pelo menos em campanhas passadas.

A escravidão contemporânea é a exploração mais degradante possível dentro das formas não-contratuais de trabalho. Tendo em vista o seu caráter ilegal, não há quem a defenda abertamente. Pelo menos, não em sã consciência. A forma de justificar os atos de empregadores flagrados com esse tipo de mão de obra, portanto, é afirmar que o flagrante em questão não foi de trabalho escravo – atitude tomada sistematicamente por parlamentares e detentores de cargos executivos que prestaram apoio a fazendeiros, à construção civil, à indústria têxtil.

Com a justificativa de que falta definição para o tema na lei, apesar de toda a legislação em vigor ser bem clara no sentido contrário, esses políticos atuam para barrar qualquer restrição aos proprietários rurais que cometam esse crime nos bastidores do Congresso. Eles não fazem isso em prol do trabalho escravo, mas defendendo de uma forma mais ampla um pacote de políticas que beneficia a sua classe social ou o grupo econômico que os elegeu.

Pois não há projetos de leis tramitando no Congresso Nacional com a justificativa de favorecer explicitamente a escravidão, mas há aqueles que contribuiriam com ela. Como os que facilitam a terceirização ilegal e a diminuição de direitos trabalhistas e dificultam a atuação da fiscalização.

Há alguns poucos casos em que poderia tentar se afirmar que houve evidências de "retorno" do eleito ao doador no que diz respeito ao tema do trabalho escravo. Um exemplo do ataque da PEC do Trabalho Escravo (a que prevê o confisco de propriedades) pelo deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), que já recebeu doação de um dos relacionados na "lista suja" em outras eleições. Contudo, quem conhece as bandeiras de Caiado, sabe que, independentemente de receber doações da "lista suja", ele manterá sua atuação contra as políticas públicas de combate ao trabalho escravo por acreditar que elas são um ônus ao produtor rural.

Ou seja, não se pode aplicar uma relação de causa e efeito entre as doações de campanha e o comportamento dos políticos quanto ao trabalho escravo pela natureza delicada do tema.

Mas essa informação serve de alerta e pode ser útil na hora de votar no domingo. Seja porque há pessoas que não querem votar em quem é apoiado por escravagistas. Seja para, ao menos, ficarmos de olho na atuação deles para os próximos quatro ou oito anos.

Vendo o apoio de muitos políticos a uma expansão a qualquer custo da fronteira agrícola na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal (onde os casos de trabalho escravo são, historicamente, mais frequentes) ou do crescimento que não se atenta para a dignidade dos trabalhadores em setores como a construção civil ou do vestuário, verifica-se que não são necessariamente os que recebem doações de campanha de flagrados com escravos que garantem as condições sociais e econômicas para que a escravidão contemporânea continue existindo.

Às vezes, pelo contrário, são exatamente os que a condenam em discursos inflamados em público, mas que a consideram um "efeito colateral" do progresso no silêncio dos gabinetes.

 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto