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Justiça reconhece responsabilidade da grife Collins por trabalho escravo

Leonardo Sakamoto

02/10/2014 09h40

O Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, em São Paulo, decidiu que a Collins tem responsabilidade solidária no cumprimento das obrigações trabalhistas com uma costureira de uma oficina terceirizada contratada pela grife em São Paulo. A Justiça considerou que as condições de trabalho a que estava submetida a costureira, em 2009, eram análogas às de escravo. À decisão, cabe recurso. O caso não possui relação com o resgate, em 2001, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, de 11 trabalhadores – também em condições análogas às de escravo – em outra oficina que fornecia para a marca. A matéria é de Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil.

Ao entender que a empresa tem responsabilidade solidária, o TRT obriga a Collins a pagar à trabalhadora que entrou com ação todas as verbas rescisórias, multas e demais valores decorrentes da jornada exaustiva a que era submetida. De segunda a sábado, a vítima trabalhava 18 horas por dia, sem intervalo para refeição ou descanso, recebendo apenas R$ 480 por cada um dos quase quatro meses em que esteve no local. A trabalhadora ainda relatou que teve seus documentos retidos e que tinha autorização para tomar banho somente uma vez por semana.

Para o desembargador e relator do caso Jonas Santana de Brito, da 15ª Turma do TRT em São Paulo, a decisão manda um "recado" para as empresas do setor têxtil: "Ao fazer um pedido para uma empresa menor, a empresa tem que saber quem vai produzir e de que forma será produzido. Não adianta alegar que não sabia como eram feitas aquelas roupas e acessórios".

A empresa foi procurada para dar seu posicionamento quanto à condenação no TRT, mas não respondeu aos contatos da reportagem até o fechamento desta matéria.

Além do caso da costureira analisado pelo TRT, uma outra fiscalização resgatou 11 trabalhadores em condições análogas às de escravo de uma oficina de costura que produzia roupas para a Collins em 2011 (Foto: Bianca Pyl)

Jonas explica que o pedido de responsabilização solidária da Collins foi feito pela trabalhadora, que já havia ganhado a causa em primeira instância. A decisão anterior, no entanto, considerou a responsabilidade da Collins como subsidiária no caso. Isso faria com que somente o empregador direto, terceirizado pela marca, tivesse de arcar com os custos. A grife ainda pode recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) contra a decisão, mas o pagamento das verbas trabalhistas não pode ser revisto, já que a Collins e os terceirizados não recorreram da decisão em primeira instância.

A Defensoria Pública da União em São Paulo atuou no processo representando juridicamente a trabalhadora. O defensor Daniel Chiaretti, que acompanha o caso, considera a decisão "extremamente favorável": "Apesar de o acórdão não ter efeito vinculante [que passa a valer para casos futuros com questão idêntica], ele ajuda no sentido de ter um precedente contra a Collins e pode ser usado como argumentação em outros processos".

Outro caso – Quase dois anos depois, em maio de 2011, a oficina foi fiscalizada por autoridades, que constataram o regime de escravidão a que eram submetidas 11 vítimas.

Na época, a Collins, uma das maiores redes varejistas de moda feminina do país, era constituída por seis diferentes empresas que controlavam 87 estabelecimentos. Todas eram dirigidas pelo coreano Won Kyu Lee, o que fez os auditores do trabalho considerarem, no relatório fiscal, que a divisão buscava dificultar a fiscalização: "Percebe-se que a pulverização do grupo econômico Collins em pessoas jurídicas artificiais, de pequeno porte, visa a dificultar o controle e a fiscalização dos órgãos públicos. A dificuldade de rastreamento contábil da produção facilita, assim, o mascaramento da teia de subcontratações sucessivas que leva à precarização das relações de trabalho". Na ocasião a oficina também era terceirizada pela Collins, mas, à época, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descaracterizaram a terceirização por considerá-la ilícita.

Dias depois da fiscalização, a empresa chegou a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) fazendo a Defensoria Pública desistir de mover uma ação contra a marca por perda de objeto. No acordo, a Collins se comprometeu, entre outras coisas, a regularizar a situação de todos os seus funcionários e a visitar todas as oficinas terceirizadas para garantir o cumprimento da legislação. Parte desses itens acordados, no entanto, não foi seguida pela Collins, que está sendo convocada para audiência com o MPT. A empresa pode ter de pagar multa de R$ 100 mil por item descumprido.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto