Manifestação em SP manda recados para governo federal e ultraconservadores
Leonardo Sakamoto
14/11/2014 09h10
Convocada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, uma marcha pedindo reformas populares e criticando o discurso ultraconservador partiu do Masp, na avenida Paulista, atravessou o rico bairro dos Jardins e terminou na praça Roosevelt, em São Paulo, na noite desta quinta (13).
Contando com a participação de organizações sociais, sindicatos e partidos políticos de esquerda (do governo e da oposição), o ato mandou um recado à Dilma: se diminuir os recursos voltados a programas que garantam a dignidade aos trabalhadores e priorizar as demandas do mercado financeiro, os movimentos sociais vão parar o país. O ato também atacou os pedidos de impeachment de grupos descontentes com o resultado das eleições.
Guilherme Boulos, coordenador do MTST, encerrou a manifestação afirmando que este foi o maior ato em muitos meses em São Paulo, reunindo mais de 20 mil pessoas (policiais presentes falaram, antes do início da caminhada, em 12 mil). E que não haverá "intervenção militar", apoiada por ultraconservadores, mas "intervenção popular", para garantir que o governo seja pressionado a fazer as reformas que o país precisa, como as reformas urbana e política.
Antes de chegar à manifestação, um colega jornalista me alertou que ela poderia estar esvaziada por conta da chuva que caiu, na tarde e noite de ontem, em São Paulo – para a alegria do reservatório da Cantareira. Se é verdade que a água e o frio diminuíram os presentes, então a manifestação, que já foi grande, seria ainda maior.
Erra quem lê a manifestação como um ato governista. A maioria dos discursos não defendia Dilma, pelo contrário, atacava o que chamavam de "golpismo" institucional ou midiático mas, ao mesmo tempo, pressionavam fortemente o governo por mudanças. Ou seja, deixaram claro que a presidente terá o apoio popular se fizer um governo mais à esquerda do que seu primeiro mandato, compensando um Congresso Nacional que ficou mais conservador após as eleições. Caso contrário, não terá trégua.
Como já disse aqui, petistas ou pessoas que não são ligadas ao partido, mas defendem bandeiras de esquerda e enxergavam na continuidade do mandato uma possibilidade maior de diálogo para essas pautas, levaram, junto com organizações e movimentos sociais, a campanha eleitoral ao espaço público e às redes sociais. Conquistaram votos como o PT fazia antigamente antes do partido se apegar demais ao poder e se apaixonar pelo reflexo no espelho.
A caminhada passou pela avenida Paulista, ruas dos Jardins, desceu a Consolação e terminou na praça Roosevelt, no Centro
Mas essa militância histórica, que defende a efetivação dos direitos humanos e os próprios movimentos sociais foram, por vezes, ignorados ou nem mesmo atendidos nos últimos quatro anos. E, agora, voltam às ruas para deixar claro que o apoio não foi à Dilma para à possibilidade de um governo que atendesse às pautas populares e que melhorasse a qualidade de vida no campo e na cidade.
O duplo recado desta quinta pode ser simplificado na forma de duas cantorias dos manifestantes durante a marcha, que teve forró, samba e rap como trilha musical. "Ou fazem as reformas ou paramos o Brasil" (voltado ao governo federal) e "Pisa ligeira, pisa ligeiro, quem não aguenta as formigas não atiça o formigueiro" (voltado às movimentações ultraconservadoras, que partem principalmente de setores da elite).
Por fim, é raro uma marcha atravessar a alameda Jaú, uma das principais ruas do nobre bairro dos Jardins. O trajeto foi, claramente, uma cutucada.
Fiquei surpreso com o tamanho da proteção policial ao hotel Renaissance, com viaturas, motocicletas e policiais. Não duvidaria se, para proteger o local, um bairro inteiro tenha ficado descoberto. Os manifestantes atacaram violentamente com Luiz Gonzaga e um forró a céu aberto e sob chuva. Foi duro, mas o hotel deve sobreviver.
Mas relevante mesmo foi o que ouvi, de soslaio, passando sem ser notado, de um policial para outro com um sorriso no canto da boca: "Eu vi minha tia. Ela tá aí junto com o pessoal".
Mensagem enviada ao blog pela assessoria de comunicação do hotel Renaissance: O Renaissance São Paulo Hotel esclarece que não solicitou a presença da Polícia Militar, no dia de ontem. Durante a manifestação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) as viaturas e carros da Polícia Militar utilizaram, espontaneamente, as calçadas que circundam o hotel (na esquina da Rua Augusta e da Alameda Jaú, no bairro dos Jardins) como local de posicionamento e apoio. O Hotel não foi consultado ou avisado sobre essa ação específica.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.