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Seu comunista! - ou a arte de argumentar com quem fala por clichês

Leonardo Sakamoto

18/11/2014 13h10

– Petralha! Petralha!

– Desculpe, é comigo?

– Petralha imundo! Desgraçado! Corrupto! Boçal! Seu idiota intolerante!

– Acho que você está me confundindo. Votei no Eduardo Jorge no primeiro turno e no Aécio, no segundo.

– Vermelho é a cor dos comunistas do PT!

– Mas eu votei no Aécio!

– Comunista assassino! Defensor de ideologia genocida!

– Meu amigo, nem eu sou do PT, nem vermelho é monopólio de comunista, nem sou comunista, nem o PT é comunista. Aliás, nem o PT é de esquerda mais.

– Vermelho é comunista!

– Claro, Papai Noel veste vermelho por conta de uma marca de refrigerantes que está tramando a revolução.

– Você tá num país livre! Cala a boca e volta pra Cuba, seu cretino!

– Voltar como se eu não vim de lá?

– Vai morar na Venezuela, na Coreia do Norte.

– Não consigo nem tirar um final de semana para descer para Mongaguá, que dirá Venezuela…

– Tenho ódio de vocês! Se você gosta de pobre, por que não viver com eles? Mas o circo está fechando! Seus amigos vão todos parar na Papuda!

– Não, meus amigos vão todos lá para a Vila Madalena, hoje à noite, porque tem roda de samba no Ó do Borogodó.

– Então, você aprova o mensalão!

– Não, aprovo o samba.

– Tô cansado de tudo isso! Tô cansado de vocês afundarem o Brasil com o dinheiro dos meus impostos!

– Meu amigo, acho que você não está bem. Você tá ficando vermelho…

– Cala a boca! Vermelho é cor de comunista!

– Meu Deus…

– Se eu não fosse alguém de paz, já teria te enchido de porrada para parar de falar mentira. O PT é que criou a pobreza, a divisão entre ricos e pobres e a luta de classes.

– Não sou petista, mas desconfio que isso seja um pouco mais antigo. Quando eu falo com meus alunos…

– Seu bandido! Os comunistas colocaram representantes nas escolas para doutrinar nossas crianças! Você deveria ser preso! Morra! Moooorraaaaaa!

– Como na época da ditadura?

– Saudades da época em que comunistas não podiam nos fazer mal. Deve estar ganhando um por fora para defender a Petrobras, mensaleiro dos infernos, ladrão, corrupto!

– Se tivesse, acha que estaria a pé para economizar o dinheiro do bumba?

– No dia em que os militares restituírem a ordem você vai ver. Vai ser o primeiro a ser preso para parar de roubar os cofres públicos! Vamos acabar com todas essas bolsas-esmolas e botar o povo no eixo, fazê-los trabalhar, que é trabalhando que se conquista a dignidade.

– Arbeit macht frei?

– O governo controla minha liberdade de expressão, não posso falar o que penso mais! Sou censurado!

– Imagina se pudesse.

– O Brasil está acabando.

– Nisso concordamos.

(Todos os clichês escolhidos para compor esse diálogo fictício são reais. Qualquer semelhança com o seu dia a dia não é mera coincidência.)

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto