"Eu acredito na causa. Desde que não atrasem o pagamento"
Leonardo Sakamoto
03/12/2014 11h33
Não consigo esconder minha azia diante do que chamo de "Mercenários do Ativismo". Um pessoal que ocupa galerias do Congresso Nacional e participa de manifestações e protestos que, apesar de não acreditarem em uma única palavra do que propagam, defendem a posição até o último suspiro – desde que o pagamento seja feito nos conformes.
Eu sei que todos nós temos que comer no final do dia. E que não tá fácil pra ninguém… Mas é importante manter a dignidade para poder continuar andando de cabeça erguida.
Isso é diferente de membros de partidos políticos, sindicatos e associações empresariais e organizações sociais – à esquerda ou à direita – que são assalariados para exercer uma função em uma estrutura como qualquer outro emprego. Ou seja, uma relação normal de compra e venda da força de trabalho.
Ou quando alguém decide dedicar sua vida a uma causa e é remunerado por isso – tenho preguiça do pensamento limítrofe que acredita piamente que o trabalho no terceiro setor deva ser voluntário e passar longe do profissionalismo como se isso o tornasse mais "puro" quando, na verdade, a experiência mostra o contrário. Como aquela história brega da pessoa que ia à praia, sozinha, salvar as estrelinhas-do-mar e achava que, com isso, estava revolucionando a existência humana…
O problema, a meu ver, é você afirmar que está em um protesto porque acredita na ideia nele defendida e não por conta do quanto recebeu para balançar a bandeira. Em outras palavras, o erro é a falta de transparência.
Antigamente, os militantes do PT ocupavam a rua durante as eleições. Com o tempo, vieram os "moranguinhos remunerados". No segundo semestre do ano passado, conversei com "sindicalistas" que estavam em marcha na avenida Paulista, em São Paulo, sem saber exatamente o porquê – mas com a promessa de ganharem um no final da tarde.
Em novembro de 2003, presenciei um caso pitoresco. Estava em Redenção, Sul do Pará, para cobrir um evento sobre o combate ao trabalho escravo. Na chegada à cidade, uma comitiva de ministros, parlamentares e procuradores de Brasília foi recebida com faixas que diziam: "Por que perseguem nossa região?", erguidas por jovens vestidos de preto. O protesto havia sido organizado pelo Sindicato Rural de Redenção, que reúne proprietários de terra, e seria a prova de que a cidade estava de "luto" por conta de "acusações" de trabalho escravo.
Fui perguntar aos moradores a razão de serem contra o evento, quando ouvi uma irritada negativa. "Isso é coisa dos fazendeiros com o prefeito", afirmou um deles. Já os jovens que seguravam as faixas nem sequer sabiam o porquê do protesto. Cada um havia recebido R$ 15 por dia para se vestirem de preto e segurarem as faixas. "Se me dessem R$ 15,50 para eu ir embora, eu ia", disse um deles.
Estou limitando a ideia de Mercenários do Ativismo à atuação com presença física, mas é claro que comportamentos semelhantes ocorrem em todos os lugares, profissões e classes sociais.
Inclusive, o pessoal que ganha um sanduba de queijo com presunto, uma lata de refri e 50 mangos para serem ativistas por um dia são os mais inofensivos.
O drama de verdade reside em quem vende apoio durante as eleições, independente do posicionamento político do comprador – no jornalismo tem muito disso. Ou quem, pago por governos, faz guerrilha selvagem no dia a dia via redes sociais.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.