Como sobreviver à família ultraconservadora na festa de Natal
Leonardo Sakamoto
05/12/2014 17h47
Um amigo jornalista acaba de me escrever. Preocupadíssimo, relata um drama que deve se repetir em muitos lares pelo Brasil:
Saka, o Natal na minha família sempre foi um cenário e terror e desolação, com tios e tias sugerindo "exterminar mendigos", "trancafiar drogados" e "proibir gays de se beijarem em público". Nem bem a prece em agradecimento pela ceia esfria e eles começam o festival de besteiras, confundindo as datas e crucificando Jesus ao invés de celebrar seu nascimento. Eles já suspiravam com a volta da ditadura muito antes dos malucos que pedem intervenção militar resolverem sair da casinha. Como os ânimos se exaltaram com as eleições, estou com medo de pisar na casa da minha avó para a ceia. O que fazer?
Meu caro, há alguns cenários possíveis. Nenhum deles é perfeito e a escolha depende da quantidade de amor que você tiver para gastar – lembrando, é claro, que essa commodity anda em falta no mercado. E desconfio que é por isso que as pessoas se preocupam tanto com presentes – o essencial é gratuito e dinheiro não compra.
A melhor sugestão é tatear o terreno com antecedência. Muitas famílias têm grupos de WhatsApp, que são ótimos termômetros do humor coletivo. Outra alternativa é perguntar para os avós – eles sempre sabem das coisas.
Se diante da sondagem lhe vier à mente a sabedoria de Carga Pesada ("É uma cilada, Bino!"), opte por uma das alternativas abaixo:
Sugestão 1: Invente uma viagem. Invente uma doença. Invente um plantão – ou não invente, apenas aceite-o, pois é muito mais legal folgar no Ano Novo do que no Natal. Invente um jantar na casa da namorada. E, para isso, invente a namorada que eu sei que você não tem.
Sugestão 2: Permaneça calado ao longo da ceia. Não faça nenhum comentário mesmo diante das maiores aberrações. No final, abrace forte cada tio e tia, em silêncio, por um tempo diretamente proporcional à quantidade de sandices que cada um disse. Dê um beijo no rosto deles e vá comer gemada.
Sugestão 3: Diga que, por consciência, votou no Levy Fidelix. E justifique seu voto. Pronto, o foco da discussão passa a ser você. Mas, pelo menos, é você quem controla a conversa e não o bando de loucos.
Sugestão 4: Concorde com eles e vá além. Defenda uma faxina étnico-racial. Elogie grupos de extermínio. Diga que é necessário rever o direito ao voto das mulheres. Se conseguir, ataque a Lei Áurea. Se disserem que você está exagerando, chame-os de fracos e comunistas. Ah, isso só funciona se você não rir.
Se tudo falhar, sorria. O Natal passa rápido. E, afinal, famiglia é famiglia.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.