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O governo não está pensando no trabalhador. Está querendo fazer caixa

Leonardo Sakamoto

13/01/2015 18h01

O ministro da Fazenda Joaquim Levy afirmou que vai analisar a situação de "pessoas que têm renda através de pequena empresa, que pagam 4%, 5% de imposto em vez de 27,5%" de imposto de renda. Isso deve ser prioridade no pacote de aumento de impostos que o governo deve baixar em breve.

Por um breve momento, imaginei que isso seria uma tática revolucionária do governo federal, um estímulo econômico para tornar a "pejotização" desvantajosa do ponto de vista fiscal.

Acompanhe meu raciocínio tortuoso e doentio: há pessoas que têm que abrir uma pequena empresa em seu nome para poderem receber salários. Com isso, não têm direito ao recolhimento de FGTS, por exemplo, e, não raro, ficam sem 13o salário, adicional de férias ou mesmo as próprias férias, entre entre outros direitos de quem é contratado segundo a CLT. E a fiscalização, em número insuficiente, não consegue atuar para corrigir o que é abuso.

Imaginei que o plano do ministro seria: 1) subir esse imposto; 2) com isso, tornar a vida desse trabalhador PJ um inferno completo, tornando inviável sua existência devido à mordida de impostos; 3) levar, a partir daí, a uma mudança estrutural no mercado de trabalho, forçando as empresas a contratar formalmente esse trabalhador.

Mas há falhas nessa teoria.

Primeiro, quem disse que esse aumento seria repassado às empresas? Seriam necessárias categorias bem organizadas que soubessem reivindicar seus direitos – coisa que não temos em qualquer profissão. Segundo, desde que assumiu, a área econômica do governo não está pensando na qualidade de vida dos trabalhadores. Está querendo fazer caixa. "Ah, mas ele quer estabilizar a economia para garantir as conquistas sociais." Perceberam que é sempre quem depende do trabalho e não da renda do capital que paga o pato? A eterna espera para bolo crescer e, então, dividi-lo.

Levy poderia optar por ações que reduzem a desigualdade, atuando sobre o "estoque" e não sobre o rendimento do trabalho.

A taxação de grandes heranças é um exemplo. Peguemos um país comunista, como os Estados Unidos. Lá, isso chega a 40% e existe progressividade (os mais ricos são mais cobrados) e teto de isenção (5,34 milhões de dólares por pessoa). Por aqui, nós temos o Imposto sobre Transmissão, Causa Mortis e Doação (ITCMD), que pode adotar valores até 8%, com tetos de isenção que chegam a algumas centenas de milhares de reais, variando de Estado para Estado. Não faz nem cócega.

Outra ação possível seria a taxação sobre lucros e dividendos. A fuga de investimentos após a implementação dessa medida seria temporária – afinal, quem aguenta ficar longe desses juros do tipo "paizão e mãezona" que a gente distribui?

Ou poderiam começar rediscutindo a tabela de alíquotas do imposto de renda, mordendo mais de quem ganha muito. É um contrassenso cobrar 27,5% para base de cálculo mensal acima de R$ 4.463,81 indiscriminadamente. Quem ganha R$ 6.000,00, R$ 25.000,00 ou R$ 75.000,00 deveriam ser taxados de forma diferente. Ao mesmo tempo, o teto de isenção deveria subir, bem como reduzir de quem ganha pouco.

Mesmo que Joaquim Levy sofresse uma lobotomia e a Dilma Rousseff que está aí fosse trocada e substituída por aquele outro modelo, de esquerda, vendido nas eleições, o nosso Congresso Nacional – conservador e cheio de interesses a zelar – barraria propostas como essas antes que elas passassem pela chapelaria do prédio. Considerando que estou vivendo uma Tensão Pré Estreia da Terceira Temporada de House of Cards, posso pensar em uma série de desfechos violentos para isso.

O mais interessante é que essas nem são propostas revolucionárias, mas que tão somente disciplinam e organizam o capitalismo.

Ainda bem que o brasileiro é, acima de tudo, um forte. Pode trocar o coxão mole por acém com osso e seguir em frente toda vez que seu governo tiver uma "ideia" na área econômica para agradar o mercado.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto