Não precisamos de direitos humanos no Brasil
Leonardo Sakamoto
05/02/2015 18h17
– Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um "escurinho" mal encarado.
– Aquilo são ciganos? Vai, atravessa a rua para não dar de cara com eles!
– Não sou preconceituoso. Eu tenho amigos gays.
– Tá vendo? É por isso que um tipo como esse continua sendo lixeiro.
– Por favor, subscreva o abaixo-assinado. É para tirar esse terreiro de macumba de nossa rua.
– Bandido bom é bandido morto.
– Tinha que ser preto mesmo!
– Vestida assim na balada, tava pedindo.
– Por que o governo não impede essas mulheres da periferia de ter tantos filhos assim? Depois, não consegue criar e vira tudo marginal.
– Baiano quando não faz na entrada faz na saída.
– Mulher no volante, perigo constante.
– Sabe quando favelado toma laranjada? Quando rola briga na feira.
– Os sem-teto são todos vagabundos que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.
– A política de cotas raciais é um preconceito às avessas. Ela só serve para gerar racismo onde não existe.
– Ai, o Alberto, da Contabilidade, tem Aids. Um absurdo a empresa expor a gente a esse risco.
– Esse aeroporto já foi melhor. Hoje, tem cara de rodoviária.
– Por mim, tinha que matar mulher que aborta. Por que a vida do feto vale menos que a da mãe?
– Os índios são pessoas indolentes. Erram os antropólogos ao mantê-los naquele estado de selvageria.
– Criança que roubou não é criança. É ladrão e tem que ir para cadeia.
– Tortura é método válido de interrogatório.
– Um mendigo! Vamos botar fogo nas roupas dele. Assim ele aprender a trabalhar.
– Pena de morte já.
– Eutanásia? Pecado. A vida pertence a Deus, não a você.
Não precisamos defender direitos humanos no Brasil. Precisamos de uma terapia coletiva. Urgente.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.