Vou sair de drag queen no Dia do Orgulho Hetero
Leonardo Sakamoto
13/02/2015 13h20
O projeto que cria o Dia do Orgulho Heterossexual, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve voltar a tramitar. A ser comemorado no terceiro domingo de dezembro, tem como justificativa "resguardar direitos e garantias aos heterossexuais de se manifestarem e terem a prerrogativa de se orgulharem do mesmo e não serem discriminados por isso".
Vivemos em uma democracia republicana, então que se crie a festividade. Um amigo jornalista, homossexual e militante LGBTT disse que, na opinião dele, não há nada mais que se aproxime daquele velho estereótipo gay que um Dia do Orgulho Hétero, mas vá lá.
Não temos o Dia do Pombo da Paz (20 de setembro), Dia da Levitação (16 de dezembro) e Dia Paulista do Ovo (23 de dezembro)? Então, por que não?
Contudo, vale lembrar que vivemos em uma sociedade que considera anormal qualquer coisa que não seja uma relação cissexual homem/mulher. Criar elementos simbólicos com o objetivo de fortalecer aspirações reacionárias é sempre preocupante.
Daria para escrever uma tese diante tratar do perigo representado por uma maioria (com direitos assegurados) que começa a se manifestar de forma organizada diante da luta de uma minoria por sua dignidade.
Uma maioria que, cada vez mais, não tem vergonha de reivindicar a manutenção de privilégios, garantindo, dessa forma, o espaço que já é seu (conquistado por violência, a ferro e fogo). Mesmo que a obtenção de direitos pela minoria não signifique redução de direitos dessa maioria mas, apenas, necessidade de tolerância por parte desta.
Lembrando, é claro, que "maioria" e "minoria" não são uma questão numérica, mas sim de quanto um grupo consegue efetivar sua cidadania.
Mas quando li, como parte das justificativas do projeto, que "a preocupação com grupos considerados minoritários tem escondido o fato de que a condição heterossexual também pode ser objeto de discriminação, a ponto de que se venha tornando comum a noção de heterofobia", desisti.
Um sentimento de vergonha alheia, daqueles que provoca na gente vontade de se esconder embaixo do tapete da sala, tomou conta de mim.
Nessas horas, só posso citar a sabedoria presente na mitologia cristã, uma das melhores passagens de toda a bíblia, em minha humilde opinião.
Evangelho de Lucas, capítulo 23: Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.