Ouvir de um aluno que "o HIV já não é grande coisa" dá frio na espinha
Leonardo Sakamoto
19/02/2015 15h17
Ouvi uma conversa, hoje, lá na universidade onde dou aula, que me deixou um pouco mais preocupado com os rumos do mundo.
Em uma roda, discutia-se que o tratamento para controlar o HIV "é tão fácil quanto tomar pílula para não engravidar" e que "o HIV já não é grande coisa".
Para a minha geração (que viu o vírus ajudar a frear a revolução sexual iniciada pela geração anterior), esse tipo de declaração – que mostra desconhecimento e desdém – é assustadora.
A doença pode ser controlada, agora, com tratamento, mas ele não é simples, muito menos banal. Ele pode trazer fortes efeitos colaterais e, se não seguido corretamente, pode levar à morte. Isso sem contar os casos em que o tratamento não se mostra eficaz.
– Não deu tempo.
– Ele disse que não tinha pereba nenhuma.
– Eu não vi nada de errado com ele.
– Ela pareceu que não tinha nada.
– Imagina, uma mina, como ela, de família, não tem nada.
– Ele não gozou dentro.
– Eu tomo pílula (!!!)
– Ah, mas se eu não fizer dessa forma, ele vai me trocar por outra…
– Não quero que ele pense que eu desconfio dele!
– Putz, mina, que assunto chato!
– Helloooo, o cara é o máximo! Você acha que ele vai fazer algo que te cause problemas?
Sim, vai sim. Às vezes, sem nem saber.
Várias pesquisas apontam que a infecção por HIV está subindo entre os mais jovens. E que muitos deles não acreditam que a camisinha previna doenças. E há aqueles que não se importam mais, pois acham que conviver com HIV é fácil.
As pessoas que conheço que possuem o vírus dão risada e dizem que não é não.
Contrair HIV não é o fim do mundo. Mas conviver com a doença, como milhares de pessoas fazem todos os dias por aqui, é muito difícil. Pelo tratamento, pelo preconceito.
Isso aqui não é um comercial do Ministério da Saúde, mas sim um aviso. Podem contar vantagem e falar besteira à vontade na roda com os amigos. Faz parte. Mas, na hora do vamos ver, pelamordedeus, não caia em conversa mole. Lembre-se. Cuide-se. Plastifique-se.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.