A direita ou a esquerda que se expressa pelo ódio e não pelo diálogo
Leonardo Sakamoto
15/03/2015 10h07
Se você faz um comentário crítico sobre uma política de um grupo A, o torcedor do grupo B posta que você é "gênio da raça". No momento seguinte, ao fazer um comentário ácido sobre uma bandeira de B, o mesmo tercedor diz que você é o "maior débil mental da face da Terra". Se você goza de C, o cara de B volta a dizer que você é rei. Para, depois, sugerir que seja "processado" e "morto" quando fala novamente de B, quando B dá margem para isso.
As minhas timelines são assim. Todos têm torcidas organizadas na rede.
E não falo da parte grande do povo que faz o debate político saudável, não.
Muito menos dos haters e trolls que fazem o papel de contrainformação, desconstrução, vigilância e ataque.
Estou falando do pessoal que invalida os debates públicos por amor à camisa, sejam de direita ou de esquerda.
Mais do que um sentimento de estar construindo um mundo novo, coletivamente, esse pessoal se junta guiado pela sensação de conforto trazida pelo sentimento de pertencimento a um grupo. E, o melhor: esse grupo se define muitas vezes não pela aceitação das propostas política de uma linha ideológica, mas por identidade reativa ao adversário.
Ou seja, juntam-se pelo ódio ao outro, não pelo amor ao seu.
Eles abandonam a razão muito antes que o povo das organizadas do futebol. Apesar de parte delas estarem envolvidas em atos de barbárie e selvageria, sabem quando o seu time dá vexame e quando manda bem, protestam contra os dirigentes, vaiam a própria esquadra, reconhecem jogadas de craque do adversário. Enfim, "lealdade, humildade, procedimento".
As organizadas eleitorais da internet, não. Tudo o que sai da boca de seu grupo é a Verdade Suprema com cheiro de lavanda, ladeado por coelhinhos brancos e fofos. E, da boca do outro, a mais completa titica pútrida e fétida, infestada de vermes e baratas.
Muito se critica a Mancha Verde, a Gaviões da Fiel ou a Independente. E, por conta dos casos que terminam em violência e morte devem ser criticadas e responsabilizadas. Mas, ao menos, o pessoal das torcidas anda uniformizado. Na internet, com exceção de alguns poucos que se identificam como tal, não temos muita informação sobre eles. Estão na penumbra. Andando nas sombras. Podem ser qualquer um.
Você pode estar, neste momento, pedindo uma caracu com ovo e um torresmo à milanesa no boteco ao lado de um dos que argumentariam com os punhos e nem sabe.
Por isso, peço que cada uma das organizadas da internet lancem seu uniforme próprio, digital e analógico de preferência.
Não é para discriminação, longe disso.
Mas, dessa forma, é mais fácil ser condescendente com os diferentes grupos quando tiverem ataques bipolares de raiva, de agressão, de intolerância.
"Calma, não é culpa dele. Ele Não sabe o que diz."
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.