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Evangélicos pressionam deputados favoráveis à redução da maioridade penal

Leonardo Sakamoto

25/03/2015 11h01

Em resposta a parlamentares que dizem falar em nome de Deus, mas têm defendido projetos de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, organizações ligadas a denominações evangélicas deram início a uma campanha para alertar os fiéis, a sociedade e pressionar os representantes políticos para que essa tragédia não aconteça.

Nesta semana, a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), a Visão Mundial, a rede Fale, que reúnem milhares de ativistas em todo o país, além de pastores e líderes religiosos, começaram a distribuir um documento a parlamentares evangélicos e a igrejas.

"Nossa sociedade e o Estado têm negado o direito ao pleno desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes, do nascimento à juventude. Nossos parlamentares e a sociedade em geral estaremos sendo hipócritas ao propor a redução da idade penal enquanto não garantimos todas as oportunidades de desenvolvimento para as nossas crianças e adolescentes", diz a carta.

Em tom forte, o documento também conclama "os parlamentares, especialmente os que se declaram evangélicos, a se posicionarem contra a redução da maioridade penal e se envolverem na efetivação do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), cumprindo o nobre papel dessa Casa de fiscalizar e cobrar do poder público o orçamento e a efetiva implementação dos instrumentos já existentes".

Conversei com representantes desse grupo. Eles temem que uma união entre parlamentares evangélicos e a bancada da bala ajude na aprovação dessa mudança. Trocas de favores em torno de uma agenda conservadora individual dos parlamentares que não foi discutida com sua base.

Enquanto certos parlamentares se preocupam com beijo em novela, há grupos evangélicos articulados e com peso político que chamam a atenção para a gravidade da situação da infância e da adolescência no Brasil e o risco de um retrocesso patrocinado por essa mudança na lei.

Considerando que esse pessoal consegue fazer um bom barulho nas igrejas (há uma petição online circulando sobre o tema) e que, até revogarem a Constituição, políticos precisam de votos para sobreviver, vai ter parlamentar que terá que se explicar junto à sua base porque dar as costas a crianças e adolescentes se tornou um valor cristão.

Segue o documento:

Ao tomar conhecimento do debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, ocorrido esta semana em Brasília, as organizações filiadas à RENAS, reunidas em assembleia na cidade do Rio de Janeiro, de 18 a 20 de março, decidiram unanimemente aprovar uma agenda de incidência política junto às igrejas evangélicas brasileiras e aos parlamentares que compõe a CCJC, especialmente aos que se declaram evangélicos.

Esperamos contar com a sensibilidade dos irmãos deputados na esperança de que este seja um momento de testemunho em favor da vida daqueles que Jesus considerou mais preciosos, as crianças e adolescentes.

Convidamos parlamentares e comunidades evangélicas a considerarem conosco os seguintes pontos:

1. A partir dos 12 anos, todo adolescente pode ser responsabilizado caso infrinja a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta reconstruída.

2. O ECA prevê seis medidas socioeducativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda-se que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes que são privados de sua liberdade não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, mas em locais que reproduzem o ambiente de uma prisão comum. Além disso, o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos na internação, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com a responsabilidade do Estado de acompanhá-lo e ajudá-lo a se reinserir na sociedade. Não adianta, portanto, endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre.

3. O Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado, com mais de 715 mil presos. Só fica atrás, em número de presos, de Estados Unidos (2,2 milhões) e China (1,7 milhões). O sistema penitenciário brasileiro não tem cumprido sua função de controle, reinserção e reeducação. Assim, enviar os jovens mais cedo para o sistema prisional é decretar a falência de nossa sociedade em prover oportunidades de vida digna para nossa juventude e condenar nosso futuro como nação.

4. Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade. Dados do UNICEF revelam a experiência mal-sucedida dos Estados Unidos, aplicando aos seus adolescentes penas previstas para adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

Nossa sociedade e o Estado têm negado o direito ao pleno desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes, do nascimento à juventude. Nossos parlamentares e a sociedade em geral estaremos sendo hipócritas ao propor a redução da idade penal enquanto não garantimos todas as oportunidades de desenvolvimento para as nossas crianças e adolescentes.

A juventude brasileira tem sido a maior vítima da grande violência que ocorre em nossas cidades e não pode ser ainda mais castigada como bode expiatório de uma sociedade e Estado negligentes com seus direitos básicos. Conclamamos os parlamentares, especialmente os que se declaram evangélicos, a se posicionarem contra a redução da maioridade penal e se envolverem na efetivação do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), cumprindo o nobre papel dessa Casa de fiscalizar e cobrar do poder público o orçamento e a efetiva implementação dos instrumentos já existentes.

Pelos motivos expostos e inspirados na vocação profética da igreja, conclamamos os parlamentares e comunidades evangélicas a se posicionarem em favor da vida de nossas crianças e adolescentes, pois o Deus da vida enviou seu filho Jesus Cristo para dar vida plena para todas as pessoas, em especial aos mais vulneráveis.

No decorrer da História, várias autoridades decretaram a morte dos mais jovens, como o faraó no Egito, no tempo de Moisés, e Herodes, no tempo do nascimento de Jesus. Conclamamos todos vocês a se posicionarem do lado de Jesus – e não do Faraó ou de Herodes. Em nome do Jesus de Nazaré, que teve sua vida ameaçada de morte ainda criança, nos despedimos na esperança de que o Espírito Santo os guiará no caminho da vida!

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto