Ao invés de reduzir a maioridade, que tal esterilizar mães de bandidos?
Leonardo Sakamoto
02/04/2015 12h00
(Cuidado: post com doses de ironia. Leia com moderação.)
Por trás de quem mata e quem morre, há outras pessoas que sofrem junto. Quando um crime acontece, lembramos primeiro – e com toda a razão – da dor de quem perdeu o ente querido nas mãos de uma ação violenta, de um ato tresloucado ou inconsequente.
Mas há duas famílias envolvidas, sendo que a do outro lado, por ter "gerado a causa do sofrimento" raramente é lembrada. Pelo contrário, torna-se corresponsável. E por mais que nenhum juiz declare pena para a mãe do meliante, ela vai para o inferno com ele.
Muitos leitores dizem que a culpa também foi delas por terem criado seus homens assim. Bem, talvez. Talvez não. Talvez de nossa ação e nossa inação também. Quem sabe?
Quando alguém é preso, geralmente não segue para a cadeia sozinho pagar pelo crime que cometeu. Vão também mães, irmãs, esposas, filhas, avós que, religiosamente, fazem filas nas portas dos centros de detenção e presídios, ou das Fundações Casa e similares, desde as primeiras horas nos dias de visita.
Já escrevi aqui sobre o estranhamento de passar em frente a um Centro de Detenção Provisória. Uma fila de lanche, bolo de fubá, pilha para o radinho, muda de roupa, pacote de cigarros.
No final, a pena de muitas dessas mulheres termina no dia em que seus filhos, maridos, pais, irmãos deixam a cadeia. Quando deixam. Quando não as deixam. Quando conseguem sair, enfim, sem carregar a cadeia dentro de si. Sendo jovens, levam por toda a vida. E, daqui a pouco, talvez a partir dos 16.
É triste que as mesmas filas que se formam nas portas de um depósito masculino de gente não se formem do lado de fora dos presídios femininos. A quantidade de pais, irmãos, maridos, filhos, avôs que vão visitar mulheres encarceradas são, proporcionalmente, em número vergonhosamente menor do que a quantidade de visitantes mulheres de homens encarcerados.
(Nesse meio tempo, o telefone encurta a distância, mas nem sempre. E o peito começa a apertar quando o número de ligações vai escasseando, a frequência diminuindo. Quando a saudade falada já não convence. O coração fica mirradinho. Incerteza, às vezes, é pior do que a morte, doença ruim que não é causada pelo ar ou água e sim pela distância. Não raro os maridos de mulheres que cumprem pena encontram outras mulheres, filhos fogem de vergonha ou de uma vida ocupada sem tempo para nada. E muitas acabam abandonadas pelos homens de suas vidas.)
O padrão em nossa sociedade é que mulheres sejam educadas para acompanhar e servir, entendendo que precisam ser repostas, quando necessário.
E homens para serem idiotas.
É doloroso viver com uma parte de você em outro lugar. Uma perda que não se completa, sobre a qual não se chora o luto, mas se sente a dor da distância e da saudade.
Enfim, tudo isso para dizer que mães não deveriam ser abandonadas. Não deveriam perder seus filhos assassinados por outros filhos que, por conta disso, também vão abandonar suas mães. E senhoras não deveriam tomar chuva e passar frio para visitar seus filhos.
Seus rebentos são culpados e, por conta disso, devem pagar o débito com a sociedade. Mas, eu que não creio em transferência de culpa, sinto uma áspera tristeza ao ver uma enorme fila de cabelos brancos na frente de uma cadeia em um final de semana.
Quando tratei desse assunto em outro texto por aqui, recebi uma mensagem de um leitor que cravou: "mãe de bandido deveria ser esterilizada".
Talvez seja essa a saída e não a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Esterilizar úteros que pariram criminosos de forma a interromper o terreno fértil para crimes. Ou, talvez, se nossa ciência permitir, descobrir com cálculos precisos os úteros ruins e impedir que deles brote algo.
Conhecendo nossa sociedade, os úteros ruins não serão úteros ricos, que sempre tiveram acesso a tudo e que repousam em lençóis de algodão egípcio – mesmo que de alguns deles tenha brotado os que põem fogo em indígenas em pontos de ônibus ou espancam pessoas em situação de rua.
Mas úteros negros e pardos, que lavam roupa, fazem faxina e não raro criam os filhos sozinhos. Úteros que andam de ônibus, ganham uma miséria, dividem-se entre o trabalho e a família. E, por isso, não vivem, apenas enfileiram dias e noites, na periferia de alguma grande cidade.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.