Parabéns, eleitores! Vocês ajudaram o Brasil a engatar a marcha à ré
Leonardo Sakamoto
10/04/2015 12h22
Tem um jabuti no poste.
E ele não subiu sozinho.
Porque jabuti não sobe sozinho em poste.
Foram os votos de dezenas de milhões de brasileiros que compuseram o Congresso Nacional mais conservador em costumes e agressivo do ponto de vista de direitos sociais, trabalhistas e ambientais em muitas décadas.
Essa legislatura não surgiu de brotamento, cissiparidade, esporulação, partenogênese, geração espontânea ou via vontade divina. Foi você que colocou ele lá. Você.
Um Congresso que, em sua maioria, representa mais os interesses de seus financiadores de campanha ou de sua classe social que os da maioria dos brasileiros – que são empregados e não patrões.
O projeto de terceirização, aprovado em votação na Câmara dos Deputados nesta semana, é o primeiro grande golpe nos direitos dos trabalhadores. Mas não será o único. Sim, se a extensa pauta de lobbies avançar no Congresso como está se desenhando, sua vida vai piorar nos próximos anos.
E o melhor de tudo: você, eleitor, também terá sido responsável por isso.
E como a própria Presidência da República terceirizou a política, é difícil imaginar que vetará ou terá forças para sustentar um veto ao PL 4330/04. Isso se quiser fazer isso, é claro, o que também duvido muito.
Mas muitos acharão que não. Acreditarão nas propagandas de que a aprovação da retirada de direitos dos trabalhadores é uma coisa legal, um avanço no sentido do crescimento e do desenvolvimento do país.
E vai dizer que a vida piorou não por conta disso, mas por ira divina. Culpa dos pecados dos homossexuais e dos transexuais, talvez? Ou do comunismo.
Poucos refletiram sobre sua escolha para representantes no Legislativo. Atenderam a um pedido do marido da filha de um amigo que estava trabalhando em uma campanha, a uma propaganda simpática na TV, a uma promessa de algum favor futuro ou presentinho dado de forma indevida. Abraçaram a ideia estúpida de "eu voto em quem ganha, não voto em perdedor", a inércia do tipo "sempre votei nela/nele, por que mudar?" ou, o pior, o "não faz diferença mesmo".
Acabamos tão preocupados com os cargos para a Presidência e os governos estaduais ou distrital que esquecemos que os outros três votos (deputados estadual e federal e senador) falariam por nós no dia a dia dos parlamentos, para fazer ou barrar leis e, pasmem, zelar pelo funcionamento do Executivo.
Há boas pessoas fazendo um bom trabalho, independente do partido e da orientação ideológica. Pessoas que não tem dívidas com grandes empresas por conta de sua campanha. Mas estão em número insuficiente e ficam dando murro em ponta de faca.
De certa forma, o Congresso é o reflexo da população. Talvez não daquilo que ela gostaria de ser, mas daquilo que ela efetivamente é.
Reclamamos de um Congresso corrupto, incompetente ou que não nos representa, mas somos nós que colocamos o jabuti lá.
Portanto, a maioria não tem o direito de ficar pasma quando os efeitos dessas decisões começarem a ser sentidas no dia a dia.
Pelo contrário, tenham a coragem de ser orgulhar na rua de seu feito. Vocês ajudaram a colocar o Brasil em marcha à ré.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.