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Por que "Cuba" virou xingamento e "China" não?

Leonardo Sakamoto

11/04/2015 12h27

Barack Obama e Raúl Castro conversaram por telefone antes de embarcarem para o Panamá, onde participam da Cúpula das Américas. Ao mesmo tempo, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, se reuniu com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez – coisa que não acontecia há quase seis décadas. Enquanto os Estados Unidos e Cuba se preparam para fazer negócios e ganhar dinheiro, por aqui o nome da ilha caribenha continua sendo usado como xingamento.

A discussão sobre a universalidade dos direitos humanos é complexa. Quando falamos de dignidade, o Ocidente tende a privilegiar os direitos individuais em detrimento à garantia coletiva da qualidade de vida – na prática, o direito à propriedade está acima do direito a uma alimentação e moradia decentes. Em certos governos regidos pelo Islã, os direitos individuais ficam em segundo plano – as mulheres que o digam.

É necessário um diálogo intercultural, confrontando o que há de melhor na defesa da dignidade humana em diferentes civilizações para que possamos encontrar um denominador comum. Não impositivo, mas dialeticamente negociado.

A sociedade cubana demonstra bons indicadores sociais por conta das conquistas após a revolução – mas, ao mesmo tempo, falha porcamente – para dizer o mínimo – em questões de liberdade política e de livre expressão.

(Com essa frase, consigo deixar possessos dois grupos de amigos com duas visões diferentes de mundo. Mas ela ajuda, grosso modo, a exemplificar o que acabo de escrever.)

Se por um lado, a comunidade internacional tem o dever de usar tempo e recursos para buscar um tratamento justo aos dissidentes em Cuba, também tem que usar a mesma energia para exigir o fim da prisão de Guantánamo. As duas lutas são importantes.

É irônico que muitos dos que criticam a não-interferência brasileira em Cuba pela garantia da liberdade de expressão ataquem a "interferência" norte-americana no Brasil quando o Tio Sam divulga seus relatórios sobre a situação dos direitos humanos no mundo. Reclamam que eles trazem uma visão parcial dos fatos.

E trazem. Até porque muitas violações aos direitos humanos no planeta são decorrência das políticas de Estado e das ações de corporações norte-americanas.

Mas nem por isso as cutucadas deixam de ser úteis.

Execuções sumárias por policiais em grandes cidades, ações de milícias pagas por fazendeiros no interior do país, desaparecimentos e torturas, tratamento desumano aos encarcerados, prisões arbitrárias, ataques contra a liberdade de expressão, discriminação por cor de pele e gênero, trabalho escravo, tráfico de pessoas para exploração sexual, jornalistas executados ou obrigados a se refugiar em outros países por simplesmente reportarem os fatos.

Não tem como dizer que relatórios que apontam isso são mentirosos. Pelo contrário, não raro, pegam mais leve do que deveriam com o Brasil.

Além do mais, sabemos que se Cuba fosse uma grande potência econômica, os casos (bizarros e deploráveis) de desrespeito às liberdades individuais ficariam em segundo plano no noticiário em detrimento às notícias sobre o pujante crescimento econômico e a necessidade de mais parcerias estratégicas conosco.

Não? Então vejam como nós jornalistas tratamos a "ditadura chinesa" em detrimento à "ditadura cubana".

Enfim, a maior parte dos países decide se defende ou não liberdades individuais dentro e fora de seu território de acordo com seu conceitos de dignidade e por suas conveniências.

E a situação piora quando estamos falando de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais – validados desde que não atrapalhem as ações comerciais e não custem muito caro.

O fato é que, em se tratando de respeito à dignidade humana, mesmo que se levado em conta o parâmetro de cada povo para o que seja "dignidade humana", se gritar "pega ladrão", não sobra um, meu irmão.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto