Morre Abujamra: a ironia e o sarcasmo ficam menores sem ele
Leonardo Sakamoto
28/04/2015 12h31
Muito, muito triste com a morte do Antônio Abujamra.
Quando recebi o convite para ser entrevistado por ele, na TV Cultura, há dois anos, as pernas deram aquela bambeada. Era fã do Abu como ator (Ravengar, quem se lembra?) e diretor e considerava o Provocações o melhor programa de entrevistas do país.
Fiquei nervoso como um vestibulando diante de uma prova no dia da gravação.
Contudo, sua ironia, seu cinismo e seu sarcasmo diante da improvável realidade de todos nós me levaram a uma mesa de algum boteco sujo. Era eu e o mito. E o mito me perguntando o que havia sido pior na história da humanidade: os banqueiros, a desigualdade ou a religião. Concordamos com a religião, é claro.
Quando a gravação acabou, contudo, ele me pediu desculpas. Disse que estava muito triste, tirou os óculos e chorou. Um de seus filhos, que estava por perto, veio consolá-lo. Explicou-me aquela era a primeira gravação depois que Belinha, companheira de Abu por mais de cinco décadas, havia morrido.
Muito, muito triste com a morte do Antônio Abujamra. Mas uma tristeza meio egoísta de quem gostaria de tê-lo ali na TV ou no teatro a me entreter e ensinar por mais tempo.
Mas não. Ele, no seu humor peculiar, resolveu jogar tudo para o alto. E foi matar saudade de Belinha.
Do meu lado, prometo conter as lamentações. A humanidade fica menor sem Abu, eu sei. Mas se ele visse alguém se lamentado por conta disso, certamente olharia bem nos olhos e mandaria um grande "foda-se".
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.