Canalizando o ódio da rede, teremos a cura do câncer
Leonardo Sakamoto
22/05/2015 11h39
Já aceitei o fato de que vou apanhar na rua, mais cedo ou mais tarde, pelas mãos de algum maluco incitado por uma dessas páginas de ódio na rede.
Por que sou especial? Não. Mas a minha cabeça nipônica, tal qual um chocotone temporão, é um alvo, ao que tudo indica, inconfundível.
Tipos violentos: O Vingador (cortei sobrenome e avatar para proteger este e os outros fuinhas abaixo deles mesmos)
Tratar de direitos humanos é algo subversivo nesses tempos obscuros em que vivemos. Criminoso até. Por conta, nos últimos tempos, fui cuspido, xingado e fugi de agressões. Fugir sim, ué! Afinal, quem corre hoje vive amanhã.
Vocês ficariam surpresos com o comportamento de algumas pessoas que aparecem em suas fotos de perfis em redes sociais abraçando – de forma pornográfica e voluptuosa – revólveres, pistolas, rifles e garruchas e outros apetrechos que fazem bum. Em seus discursos parecem querer nossa cabeça empalhada em cima da lareira.
Eles estão em guerra. Ou melhor, em uma cruzada.
Mas essa energia de raiva na rede (que, se canalizada, já teria levado à vacina contra a malária, à cura de todos os tipos de câncer ou a um título do Brasileirão ao meu Palmeiras), difundida de forma anônima, flui pelas frestas da alma de muita gente que procura um sentido para a vida e extravasa quando menos se espera.
A insanidade pode vir de qualquer lugar. Feito o Batman: surge das sombras, apavora e some na noite. E, quando chega a polícia, as pessoas só viram um vulto de um morcego e nada mais.
Ainda mais quando se trata de perfis, sites ou caixas postais falsos, usando artifícios para esconder o IP.
Mas chega de mimimi. Afinal de contas, a gente é jornalista, pô! E jornalista não pode ser apanhado apanhando desprevenido, não é mesmo? Seria uma vergonha.
Então, estou deixando um papelzinho na carteira, com quem procurar em caso de emergência, meu tipo sanguíneo (B positivo, sangue bom) e o aviso da minha situação cardíaca e medicamentos de uso contínuo.
Também coloquei um pedido para que tirem uma foto minha com meu celular. Se as pessoas causam vergonha alheia pistando fotos de quadros em museus ou da própria prova do Enem, por que não posso ter um instantâneo de mim mesmo, sangrando na calçada?
Também enviei a amigos médicos a seguinte pergunta: "o que devo ter para garantir, com eficiência, os primeiros socorros em caso de espancamento na rua?"
O conjunto das respostas se dividiu entre: "Nada, apenas um papel com um pedido para ligar 192" e um kit com "tala, esparadrapo, gaze, antisséptico, anti-inflamatório e fio de sutura".
Por fim, eu – que não creio – passarei a carregar um santinho de São Francisco de Sales, protetor dos jornalistas e escritores, e (por via das dúvidas) outro de São Genésio, protetor dos escrivães. E dos comediantes.
E, é claro, um versinho do poeta Manoel de Barros para servir de lembrete: "Pensar que a gente cessa é íngreme".
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.