Você deveria ter vergonha de ter seios pequenos
Leonardo Sakamoto
24/05/2015 13h38
O anúncio abaixo está exposto em vagões do metrô de Nova Iorque:
É errado uma pessoa não se sentir à vontade com seu corpo e querer mudá-lo? Não, de maneira alguma.
Mas isso levanta uma série de questões.
Primeiro: Qual a origem da insatisfação? Ela é fruto de muita reflexão e de um processo consciente de tomada de decisão ou decorrência da imposição de um padrão de beleza bombardeado pela mídia e defendido pelo restante da sociedade?
O anúncio no vagão do metrô não está fazendo uma discussão se a pessoa é feliz ou não com seu corpo. Ele manda uma mensagem: "Puuuutz! Você tem peito pequeno! Que merda, hein? É pra ficar triste mesmo… Mas por um valor bem acessível a gente te conserta".
O ponto é: quem disse que você está com "defeito" para ser consertada? O problema não está em você mas em determinados atores sociais que tentam fazer com que você corra atrás de um padrão com o qual você não se identifica e, não raro, é inatingível. A menos que entre na faca. E que, ao mesmo tempo, faz com que o restante da sociedade desperte desejo por esse padrão, chamando de "étnico", "exótico" ou "plus size" quem foge dele.
"Bonito" e "Feio" não são valores absolutos. Pelo contrário, variam de acordo com o lugar, a época e o grupo no poder. Porque a estética e desejo são sim uma questão de poder. Ou vocês nunca se perguntaram porque o modelo de beleza dominante é exatamente o da "casta" hegemônica?
Segundo: É aceitável um vagão de metrô de uma das maiores cidades do mundo expor um anúncio dizendo que uma mulher é triste por ter seios pequenos. Mas, certamente, provocaria uma grande comoção se fosse um anúncio de "Aumente seu pênis", dizendo que homens são tristes por não alcançarem o tamanho considerado ideal – como aqueles que circulam na internet.
Sendo que tamanho ideais, de seios, de pênis ou bundas não existem, tal como tamanhos ideais de barriga, de coxas, de nariz, de bochechas… Ideal para quem, mané?
Não é moralidade, a questão está mais embaixo. Mulheres são tratadas como objetos em uma frequência bem superior aos homens. Essa fetichização coletiva tem um nome: machismo.
Terceiro: Falamos facilmente em transformação corporal via implantação de bolsas de silicone nos seios ou redução da barriga através de cirurgia de lipoaspiração. E, por favor, não estou julgando quem faz isso. Deveríamos ter liberdade de alterar nosso corpo para nos sentirmos bem sem dar satisfação a ninguém e sem sofrer preconceito por conta disso, desde que conscientes do que significa essa mudança.
Mas a mesma tranquilidade não é garantida a quem tem certeza que nasceu em um corpo que não é o seu e, sofrendo muito por isso, deseja fazer uma cirurgia de redesignação sexual. Muitos e muitas não contam com o apoio da família e dos amigos, são alvos de piadinhas infames no trabalho e, na pior das hipóteses, podem ser constrangidos a desistir da cirurgia. Psicologicamente. Fisicamente. Até com a própria vida.
Mudanças são aceitas desde que sejam no sentido de nos aproximarmos dos padrões estéticos e comportamentais hegemônicos na sociedade. Mas repudiadas quando elas batem de frente com normas e regras tacanhas sob as quais somos obrigados a viver e que não foram acordadas democraticamente, mas jogadas de cima para baixo.
Ao ler este post, muitos dirão: "Pô, mas é apenas um anúncio! Não vejo problema algum com isso".
E, com isso, provo o meu ponto: você pensa que é livre. Mas não é.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.