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Para evitar corrupção com a Rio-2016, bairros ricos serão ocupados

Leonardo Sakamoto

26/06/2015 15h07

Pouca gente reclamou quando a imprensa tratou do plano de ocupação de favelas cariocas para "garantir a tranquilidade" durante os Jogos Olímpicos de 2016.

Exército e fuzileiros planejam ocupar quatro favelas durante a Rio-2016

Foi o título de uma boa matéria da Folha de S.Paulo sobre o tema.

Acho um absurdo a forma como são feitas essas ocupações, nas quais direitos fundamentais são tratorados sob a justificativa de "garantir a tranquilidade" a um grande evento esportivo. Como se um bairro inteiro constituído de meliantes. Isso quando o próprio bairro não é removido em nome da especulação imobiliária, ops, das Olimpíadas.

Pergunto-me, contudo, qual seria o comportamento das mesmas pessoas caso a notícia fosse essa:

Exército e fuzileiros planejam ocupar bairros ricos antes da Rio-2016

Exército se prepara para invadir a Barra da Tijuca e cercar a CBF, o futuro Parque Olímpico, além de  shoppings e prédios  de caráter estético duvidoso

O anúncio causaria comoção não apenas nos moradores desses bairros como também em muitas pessoas críticas à última ignóbil ditadura militar.

O exército ocupando favelas tornou-se tão corriqueiro quanto o fechamento do Minhocão, em São Paulo, e de uma pista da avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, aos domingos, para o lazer. Afinal, antes a pimenta nos olhos dos outros do que nos meus.

Adotamos o pressuposto de que favelas são um risco porque nelas estão alguns indivíduos ou organizações envolvidas em violência armada organizada. Dane-se a maioria pacífica. Agimos preventivamente para evitar o pior.

Por essa lógica, então, também podemos considerar que a presença do exército em bairros ricos de São Paulo, Rio, Salvador e Brasília, entre outros lugares, onde moram empresários, banqueiros e políticos que vão lucrar com superfaturamentos e maracutais relativas à construção e realização dos jogos, poderia ser usada para evitar o desvio de bilhões dos cofres públicos. Pois dane-se a maioria honesta. Agimos preventivamente para evitar o pior.

 

Dessa forma, a gente democratiza o absurdo.

Parte das próprias Forças Armadas não querem ocupar comunidades pobres, pois sabe que elas serão apontadas como responsáveis se houver problemas. E tendo em vista algumas das desastrosas ações durante a Copa do Mundo, podemos considerar que elas têm razão.

Forças Armadas são formadas para a guerra. Em última instância, militares são treinados para matar. E, até onde eu saiba, em uma democracia, eles não estão em guerra com seu próprio povo. Em tese, é claro.

Parte da população e dos governantes apoia esse tipo de ação. Gosta de se enganar e acha que estará mais segura com o Estado agindo "em guerra" contra a violência – como se isso não fosse, em si, um contrasenso.

Mas parafraseando o Capitão Nascimento: bota na conta dos jogos. E bora desviar a atenção de onde estão os verdadeiros problemas relacionados à Copa e às Olimpíadas.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto