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"Agenda Brasil" abre caminho para golpe em indígenas

Leonardo Sakamoto

12/08/2015 19h31

Na agenda de propostas legislativas apresentadas por Renan Calheiros, presidente do Senado, à Dilma Rousseff, estão medidas que podem colocar em risco direitos de comunidade indígenas e que vão de encontro às posições que o Brasil adotou junto às Nações Unidas.

Um exemplo é a "revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas".

A pauta é vaga, como boa parte das propostas. Mas tomando como base os debates sobre o tema que ocorrem no Congresso Nacional, ela tem o objetivo de incluir o arrendamento de terras indígenas para não-indígenas – que já acontece de forma ilegal ou a não-implantação de territórios indígenas onde já há atividades econômicas consolidadas, mesmo que se verifique que a área pertence, historicamente, a uma comunidade tradicional.

Outra proposta trata da implementação de um "fast-track" para agilizar o licenciamento ambiental para obras estruturantes do Programa de Aceleração do Crescimento, com prazo máximo para emissão de licenças, também pode afetar

Essa medida, que vem sendo discutida há tempos no Legislativo, pode fragilizar as consultas prévias a comunidades atingidas (previstas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário) e as oitivas indígenas pelo Congresso Nacional (previstas na Constituição Federal) em projetos que causem impacto.

Por exemplo, as oitivas indígenas não aconteceram como deveriam antes da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. O que levou a um processo contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

Ao mesmo tempo que o governo Dilma analisava essa proposta de pauta, sonhando talvez em mudar o foco de atenção pública (que hoje recai sobre o imobilismo político de seu governo e os efeitos da Operação Lava Jato), a relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, a filipina Victoria Tauli-Corpuz, manifestou profunda preocupação com os relatos de que a polícia está preparada, segundo ela, para despejar à força o povo indígena Guarani-Kaiowá de suas terras tradicionais, no Estado do Mato Grosso do Sul.

"Os povos indígenas não devem ser removidos à força de suas terras ou territórios", afirmou Victoria em nota divulgada pelas Nações Unidas. E lembrou que "nenhuma realocação deve ocorrer sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados, e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso". No Mato Grosso do Sul, a questão fundiária envolvendo comunidades indígenas provoca fome, suicídios e mortes.

Belo Monte é uma das meninas dos olhos de Dilma, que não pensou duas vezes em passar por cima dos direitos das comunidades tradicionais para construi-la. Resta saber se vai apoiar o trâmite desse "bode na sala" em forma de pacote priotécnico ou a resistência dos movimentos sociais ainda surte algum efeito em seu governo.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto