Mais uma chacina em São Paulo? Ah, mas foi na periferia!
Leonardo Sakamoto
14/08/2015 18h06
Ao todo, 18 pessoas foram mortas e sete feridas em Barueri e Osasco, municípios da região metropolitana de São Paulo, em chacinas realizadas na noite desta quinta (13). A polícia está investigando várias hipóteses, entre elas a ação do crime organizado e, principalmente, a retaliação por parte de policiais a assassinatos de um policial militar e de um guarda-civil metropolitano.
Antes de mais nada, vale ressaltar que todas as mortes, dos 18 e dos policiais são inconcebíveis e merecem repúdio. Mas também que, em alguns dias ou semanas, você já as terá esquecido e talvez nem ouça mais sobre o caso porque ele acabou soterrado entre tantas outras mortes sem sentido nas grandes cidades ou no interior do país.
Triste é que são diferentes o tamanho e a extensão da indignação da "opinião pública" diante da morte estúpida de alguém de um bairro rico e de uma chacina estúpida ocorrida em regiões pobres. Lembrando, ainda, que "opinião pública" não existe. Quando ela se apresenta como tal, na verdade, representa a posição de alguém ou de algum grupo, que pode ou não ser maioria, mas que tem força o suficiente para que sua visão seja vista como hegemônica. Há grupos com poder de mobilização midiática que reagem quando "a favela desce ao asfalto". E apenas se compadecem (quando não se aliviam) quando a "favela se mata".
(Vez ou outra um caso é adotado pela mídia ou pelos movimentos sociais e se mantém vivo, servindo de símbolo contra o crime organizado, a violência policial ou visando a repudiar ações de milícias e grupos de extermínio. Essa adoção é justa, claro, mas não deve ser encarada como um fim para si mesma e sim um instrumento para alguma coisa.)
Pensávamos que não cometeríamos os mesmos tipos de "erros" de 20 anos atrás, mas não foi bem assim. Carandiru (1992), Vigário Geral (1993), Ianomâmis (1993), Candelária (1993), Corumbiara (1995), Eldorado dos Carajás (1996). Os famosos massacres da década de 90 ganharam roupagem nova e continuaram acontecendo em chacinas aqui e acolá. Por aqui, matamos gente pobre em pacotes.
Nos últimos anos, o país continuou a assistir a centenas de assassinatos de trabalhadores rurais indígenas, quilombolas e ribeirinhos em conflitos agrários (e daqueles que ousaram os ajudar), massacres de sem-teto e população em situação de rua, mortes de homossexuais. Isso sem contar o genocídio de jovens negros e pobres na periferia de grandes cidades, como São Paulo.
Como em agosto de 2004, quando moradores de rua foram espancados no Centro de São Paulo. Sete não resistiram e morreram em decorrência dos ferimentos. O crime nunca foi totalmente resolvido, mas policiais foram apontados como responsáveis.
Ou em maio de 2006, em que cerca de 500 pessoas, a maioria de jovens, negros, pobres e moradores de periferia foram mortos no Estado de São Paulo. Organizações sociais afirmam que a responsabilidade foi de policiais e, novamente, grupos de extermínio ligados a eles como retaliação a ataques do PCC, que vitimaram policiais.
Independentemente de quem é a culpa direta em cada um desses casos, muitos carrascos poderiam dizer que estavam "cumprindo ordens", como os nazistas em Nuremberg. Pois, o que ocorre em parte dessas chacinas foi um servicinho sujo que vários cidadãos pacatos desejam em seus sonhos mais íntimos. Uma "limpeza social" de "classes perigosas" ou de "entraves ao progresso".
Como já disse aqui, não é que a nossa sociedade não consegue apontar e condenar culpados por todas elas como deveria. Parece que ela simplesmente não faz questão.
Jogamos na vala comum "culpados" – que não tiveram direito a um julgamento justo e receberam pena de morte – e "inocentes" – que mereceram, porque "se levaram bala, boa coisa não tinham feito". Seja pelas mãos do Estado ou de criminosos. E que essa faxina social seja rápida, para garantir tranquilidade, e não faça muito barulho. Para não melindrar o "cidadão de bem", que têm horror a cenas de violência.
Sem demérito para outras pautas sociais e políticas, isso também seria razão mais do que suficiente, como escreveu um amigo jornalista, para ocuparmos as ruas das grandes cidades em protesto. E, de forma racional, pedindo ações estruturais que melhorem a qualidade de vida, garantam justiça social, desmilitarizem as forças policiais, entre outras medidas preventivas, que podem garantir um contexto mais seguro. E não adotando saídas fáceis e bizarras, como colocar crianças nas cadeias. E entregar cadeias à iniciativa privada.
Observação: Após a publicação deste post, a polícia descartou uma morte em Itapevi com os demais crimes.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.