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Impostos: o Brasil deveria assumir que combater sonegação não é prioridade

Leonardo Sakamoto

15/09/2015 10h48

Não sou a favor de aumentar ou criar impostos que geram danos aos trabalhadores. Ainda mais em uma crise, quando os que mais sofrem são, exatamente, os que menos têm.

E é claro que o Brasil ainda espera uma reforma tributária socialmente justa. Uma em que o Estado consiga racionalizar a cobrança de impostos, corrigir as disputas regionais e sobreposições e, ao mesmo tempo, faça frente às demandas sociais trazidas a ele à população, conseguindo atuar na redistribuição de riqueza e na compensação da desigualdade de acesso a oportunidades.

Isso passa, é claro, por aumentar ainda mais a taxação do lucro do capital financeiro, criar impostos sobre fortunas, aumentar impostos sobre heranças, taxar de forma decente o lucro das empresas, buscar uma efetiva progressão do imposto de renda com alíquotas maiores que as atuais para quem ganha realmente bem. Isso sem contar resolver o sabugo do ICMS, mas isso é outra história.

Dito isso, creio que a CPMF vale mais do que um xingamento.

Sabemos que o governo federal está quase tomando doce de criança para garantir o seu ajuste fiscal. O Minha Casa, Minha Dívida, por exemplo, levou uma tungada, o que vai contribuir ainda mais para a produção de sem-tetos. Então, se anunciarem que os doces serão confiscados, eu não duvidaria.

Mas seria interessante termos algo semelhante à CPMF, não com os 0,20% propostos, mas com uma alíquota insignificante (com vários zeros à direita da vírgula) não pela arrecadação, mas como mecanismo auxiliar para monitorar as movimentações financeiras e ajudar a combater a sonegação.

Sonegação. Aquela coisa que muitos brasileiros acham que não é errado fazer. Pelo contrário, já vimos casos de pessoas que assumem com orgulho que sonegam – o que, na minha opinião, é equivalente a gritar na nossa orelha "Rá! Você é um paga-lanche!"

O "Sonegômetro", do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, uma resposta ao "Impostômetro", mantido pela da Associação Comercial de São Paulo, batia em R$ 365,5 bilhões, de janeiro de 2015 até a manhã desta terça (15). Dá para comprar muita groselha com isso.

Se algumas empresas não sonegassem impostos ou, na melhor das hipóteses, não empurrassem seus débitos com o INSS com a barriga, o "déficit" previdenciário não seria do tamanho que é, por exemplo. Entre aspas porque Previdência nunca será superavitária e é até natural que seja assim, pois ela também tem uma função de garantir dignidade a grupos historicamente excluídos, como foi com a aposentadoria rural.

É possível rebaixar a contribuição de trabalhadores e empregadores ao INSS, compensando com a tributação do faturamento de empresas que não são intensivas em mão de obra ou que não fazem recolhimento per capita do INSS de seus empregados, como instituições do sistema financeiro ou empresas que usam alta tecnologia. Afinal, quem contrata mais, deveria recolher menos à Previdência do que os que contratam menos. Também devemos debater a idade mínima para a aposentadoria com a mudança do perfil populacional do país. Há muito o que ser feito, desde que se tenha coragem de tocar as mudanças que os trabalhadores precisam – não apenas as que o mercado demanda.

Mas isso não justifica que empresas, ainda mais as lucrativas, passem a perna no Estado (ou seja, em todo mundo) sob justificativas mil que desaguam na pura cara-de-pau.

Com uma sonegação menor, haveria mais recursos em caixa para contratar técnicos do Incra e combater a grilagem de terras na Amazônia – mãe do desmatamento ilegal. Ou mais médicos e enfermeiros em postos de saúde. Mais professores e pedagogos em escolas do ensino básico ao superior. Defensores públicos para ajudar quem não tem nada a usar o sistema de Justiça. Fiscais para verificar o cumprimento das leis trabalhistas e recolher impostos.

O Estado gasta mal nosso dinheiro, disso não temos dúvida. Mas também não consegue garantir que parte dos impostos devidos seja paga. Isso sem contar que alguns magistrados têm sido muito bons para alguns sonegadores. Por conta disso, impostos acabam sendo maiores do que deveriam ser.

Além de uma limpeza completa de quem sangra os recursos públicos via corrupção, passou da hora de agir de forma pesada com quem faz o mesmo via sonegação. Infelizmente, a Operação Zelotes, da Polícia Federal, deveria ganhar, ao menos, um pedaço da visibilidade que tem a importante Operação Lava-Jato. Afinal de contas, o rombo que o esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) – responsável por julgar os recursos de autuações por sonegação fiscal e previdenciária – causou pode ser maior que aquele que envolveu empreiteiras e Petrobras.

Não é possível que ações de grandes sonegadores continuem não ganhando o mesmo destaque dos grandes corruptores nas páginas de política. Ou policiais.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto