Não tenha medo de usar as palavras certas: machista, racista, homofóbico...
Leonardo Sakamoto
08/10/2015 19h33
Muitas empresas não dizem mais que "demitiram" 1.300 empregados. Falam que "descontinuaram os contratos" ou "interromperam o relacionamento" com os empregados. Ops, desculpe. Isso também mudou de nome: "colaboradores".
Um amigo da área de RH de uma multinacional disse que não sabia onde enfiar a cara quando chamou um homem muito, muito simples para informar que ele seria descontinuado. "O senhorzinho não entendia nem por um decreto que estava sendo demitido", diz ele – que teve que apelar para o método antigo, quando foi claramente compreendido.
Os "jênios" que inventaram isso para facilitar a vida das empresas esqueceram que não adianta flambar merda com azeite trufado e polvilhar com sal retirado do deserto de Gobi e especiarias do Rajastão. No final, vai continua sendo merda.
Em outras palavras, seguirá sendo um "pé na bunda", uma "degola", um "chute no traseiro" e tantos outros sinônimos populares criados para explicar uma demissão.
Enfim, é natural que a língua evolua. Mas algumas coisas deveriam continuar sendo chamadas pelo que realmente são.
Uma porrada no rosto da namorada não é "desentendimento de casal".
Um espancamento de uma criança pelos adultos responsáveis não é "corretivo".
Uma tentativa de estupro ou de violência sexual não é "forçar a barra".
Da mesma forma que a pessoa que defende que brancos tenham mais direitos efetivados que negros e indígenas, que homens devem mandar e mulheres, obedecer, que ricos precisam ser mais protegidos do que pobres, que ciclistas são comunistas e devem ser combatidos, que mulher que aborta deve ir presa e que casamento homoafetivo deveria ser proibido, não está "exercendo simplesmente seu direito à liberdade de expressão".
Essa pessoa está simplesmente sendo ridícula.
Isso tem cura, claro. Passa por conscientização e carinho.
Mas, até lá, vai continuar sendo ridícula.
E, para que entenda que está sendo ridícula, vale – com muita educação – chamar suas atitudes pelo nome correto. Machista, racista, homofóbica, preconceituosa…
Pois, palavras têm o poder que conferimos a elas. E violência, na verdade, é manter o silêncio diante da injustiça.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.