Caso Masterchef: Violência sexual é coisa séria. "Piada" são os machistas
Leonardo Sakamoto
23/10/2015 08h23
Depois da enxurrada de chorume que tomou conta das redes sociais, incitando violência sexual contra uma participante de 12 anos do programa "Masterchef Júnior", da TV Bandeirantes, reações mostraram que o chorume é regra, não exceção.
A que teve mais impacto foi promovida pelo Olga – um think tank com o objetivo de empoderar mulheres por meio da informação, coordenada pela jornalista Juliana de Faria. Dezenas de milhares de mulheres foram provocadas para contar a história do #primeiroassedio que sofreram, compartilhando-as através dessa hashtag nas redes sociais.
E o resultado comprova não apenas que a violência a que menina foi vítima está presente em todo o país e continua sendo vista como "brincadeira", "piada" ou, pior, "elogio" ou "carinho". Mas também que é maior o número de mulheres que não mais ficam caladas diante disso.
Se o debate público fosse mais qualificado, um homem pensaria duas vezes antes de fazer comentários machistas e preconceituosos com medo de ser humilhado por outras pessoas no Facebook, no Twitter ou no WhatsApp. Ou de publicar, curtir e compartilhar vários tipos de violência sexual.
A sensação de anonimato e o sentimento de impunidade diante da tela do computador ou do smatphone contribuem para o cenário, mas há algo mais embaixo.
O discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido. Faz sucesso na rede. Cola rápido, cola fácil, tornando-se vetor para alcançar fama em um ambiente onde grassa a ignorância sobre o tema.
Prova disso é que houve figuras públicas que fizeram gracejo da iniciativa do Olga, difundindo postagens que apenas reforçaram a violência contra mulheres e provaram sua misoginia. Pois é fácil rir dos mais fracos e vulneráveis. Difícil é ver as mesmas pessoas fazendo gracejo contra ricos e poderosos que pagam seu salário.
"Qualificação" não significa elitização, muito pelo contrário. Não é algo chato, hipercodificado, barroco ou acadêmico e sim que ajude o cidadão a perceber a complexidade do mundo em que vive e o ajude a construir o seu sentido das coisas.
Essa qualificação, é claro, vem de um processo que envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. E pode ser lento porque passa pela formação de visão de mundo. Mas deve ser promovido sob o risco de estarmos gestando, com a ajuda da internet, mais uma geração de monstrinhos.
O Observatório Proxi (Projeto Online contra a Xenofobia e a Intolerância), impulsionado pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha e pela organização espanhola United Explanations, realizou uma pesquisa sobre o ódio na rede, buscando formas de reduzir a aceitação do discurso intolerante. Já trouxe os seus resultados aqui.
Na avaliação dos pesquisadores, fomentar diálogos construtivos em debates violentos e estimular a participação de leitores tolerantes funciona.
Ou seja, é no momento em que pessoas conscientes se calam, cansadas da intolerância, da violência e da opressão, que a intolerância, a violência e a opressão encontram terreno sem resistência para avançar.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.