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Protesto de mulheres PL misógino e Cunha lembra junho de 2013

Leonardo Sakamoto

31/10/2015 10h47

Um protesto contra o projeto de lei 5069/2013 e seu propositor, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, reuniu, nesta sexta (30), cerca de 15 mil pessoas (nas contas das organizadoras) e 5 mil (nas da Polícia Militar) em São Paulo. O ato começou na praça do Ciclista, na avenida Paulista, e seguiu até a praça da Sé.

O projeto, aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), torna mais difícil o aborto em caso de gravidez resultante de estupro, pois a vítima passará a ter que registrar boletim de ocorrência e fazer exame de corpo de delito – hoje, isso não é necessário. Também criminaliza a orientação sobre o aborto, com penas maiores se quem ajudar for agente de saúde.

A aprovação deste e de outros projetos que limam direitos conquistados ocorre, como já disse neste espaço, em um momento em que a imprensa revela que Cunha possui contas milionárias na Suíça (apesar de ter dito à CPI da Petrobras que não as possuía), realiza gastos exorbitantes que seriam incompatíveis com seus ganhos e foi citado por várias testemunhas como tendo pedido e recebido propina. O movimentos, coletivos e organizações que participaram do ato também pediram a sua saída.

Além da importância da pauta (convenhamos que é um absurdo, neste momento da História, as mulheres ainda precisarem reivindicar isso), vale uma análise do ato em si. Tenho acompanhado praticamente todas manifestações de rua na capital paulista e faz tempo, bem antes das eleições do ano passado a bem da verdade, que não vejo uma com perfil tão semelhante ao das jornadas de junho de 2013 como esta.

A começar pela idade média dos participantes, mais jovem – com presença forte da classe média, mas muita gente da periferia também. Vale lembrar que o Datafolha analisou quem eram os manifestantes dos atos contra o governo Dilma Rousseff e também os dos atos contrários ao ajuste fiscal ou de apoio ao governo federal e apontou que, em todos os casos, o perfil era mais velho – diferente, portanto, daquele que tomou as ruas há dois anos.

O ato desta sexta também foi mais horizontal, como os de 2013, sem carros de som aglutinando os participantes – que carregavam uma profusão de cartazes e faixas, cada um ou cada grupo dando o seu recado. Mas com uma pauta transversal clara, factível, compreensível pela população, atingível – barrar o PL 5069 – tal qual a bandeira dos 20 centavos de 2013. Os organizadores, além do mais, são novos movimentos e coletivos, da mesma forma que era o Movimento Passe Livre. Importantes entidades tradicionais estavam lá mas, como há dois anos, não eram a maioria das presentes.

A diferença, é claro, ficou por conta da ausência de incidentes com porrada das forças de segurança.

O que isso pode significar? Muita coisa. Quem analisa a questão da participação popular sempre esperou o momento em que aquele pessoal de junho de 2013 retomasse o espaço público – e com qual o objetivo. Muitos movimentos reivindicaram serem os herdeiros daquelas jornadas, mas nenhum com o mesmo perfil e características.

Seja qual foi a intenção em tentar aprovar essa lei bisonha (crença no retrocesso e/ou cortina de fumaça), a bancada do fundamentalismo religioso e Eduardo Cunha acabaram servindo para, de forma reativa, agregar pessoas e grupos e leva-los à rua.

Se esse movimento atual, com as mulheres reivindicando que não sejam tratadas como cidadãs de segunda classe ou como máquinas de procriação, será capaz de crescer, barrando o projeto ou criando problemas maiores para Cunha, só o tempo dirá. Por enquanto, elas – que protestarão em outras cidades brasileiras – trazem um sopro de brisa fresca para o debate público e para a democracia no país, exigindo a defesa da dignidade e a proteção dos direitos humanos.

Em um ambiente em que impera a lógica, a manifestação desta sexta já seria uma pedra grande no sapato do presidente da Câmara. Mas sabemos que ele e a política brasileira, há muito, abandonaram qualquer traço de racionalidade.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto