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Mulheres trabalham mais do que homens. Mas somos convencidas do contrário

Leonardo Sakamoto

07/11/2015 18h07

Homens que possuem espaço na mídia foram instigados a ficarem como espectadores nesta semana, ao invés de escreverem e publicarem textos sobre os direitos das mulheres e questões de gênero. Ou seja, promoverem uma ocupação de seu espaço para que elas falassem por si. Portanto, de segunda a domingo (8), mulheres de diferentes origens, histórias e regiões estão publicando, neste blog, sobre o tema dentro da iniciativa #AgoraÉQueSãoElas.

Este texto o blog é de Fernanda Sucupira, jornalista, especialista em gênero e igualdade pela Universidad Autónoma de Barcelona e mestra em sociologia pela Unicamp.

Os outros já publicados nesta série são: Segunda (2) – Juliana de Faria e Luíse Bello, do Think Olga, responsável pela campanha #primeiroassedio; Terça (3) – Karina Buhr, cantora, compositora, atriz e ativista; Quarta (4) – Djamila Ribeiro, filósofa e feminista e Laura Capriglione, jornalista e escritora; Quinta (5) – Maíra Kubik Mano, jornalista, doutora em Ciências Sociais e professora do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA; Sexta (6) – Camila Agustini, roteirista e advogada especialista em direitos humanos; Sábado (7) – Tamires Gomes Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e primeira negra a dirigir o Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Mackenzie.

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Mulheres trabalham mais do que homens. Mas somos convencidas do contrário, por Fernanda Sucupira

Nas últimas semanas, uma série de acontecimentos despertou uma profusão de vozes feministas na internet e nas ruas: a violência contra a mulher foi tema da redação do Enem, a campanha #primeiroassedio expôs com força a onipresença e a precocidade dessa violência, milhares de mulheres tomaram as ruas contra os despautérios de um projeto de lei. Pela importante iniciativa da campanha #AgoraÉQueSãoElas, esta semana nos trouxe uma surpresa: a proliferação de textos escritos por mulheres, em espaços masculinos, foi eloquente em demonstrar a escassa representação feminina nos meios de comunicação.

Considero que esses espaços não foram simplesmente cedidos, e sim conquistados pela força crescente da luta feminista no país. Mas nem só de violência, de estupros, de abusos, de leis absurdas e de falta de representação se fazem as desigualdades de gênero. Muito mais sutilmente, das mais diversas maneiras, elas estão sempre presentes na vida cotidiana das mulheres, inclusive em suas atividades mais corriqueiras.

Manifestam-se de forma muito marcante na divisão desigual dos afazeres domésticos e de cuidados nos lares brasileiros. Uma enorme massa de trabalho, fundamental para a sustentabilidade da vida humana, é invisibilizada e tratada como uma obrigação natural feminina. Enquanto os homens se dedicam ao trabalho profissional de maneira quase integral, as mulheres se esforçam para articulá-lo com o trabalho doméstico, num verdadeiro malabarismo do tempo.

Contrariando as pessoas que afirmam, absurdamente, que as feministas estão nas trincheiras de uma guerra já vencida, o tempo é um elemento expressivo para revelar a persistência das desigualdades de gênero. Ao estudar os usos do tempo, percebemos claramente o peso muito maior das atividades domésticas no dia a dia das mulheres. Em particular das mulheres pobres – que não têm recursos para externalizar essas atividades e vivem em locais de pouco acesso a serviços públicos. Em particular das mulheres negras, que são maioria entre a população de baixa renda.

Muitos homens que afirmam compartilhar nossos ideais igualitários e apoiar as lutas feministas escorregam nesse aspecto e contribuem para perpetuar esse quadro. De acordo com os dados da PNAD de 2013, apenas 46% dos homens ocupados têm alguma participação nos afazeres domésticos, em contraste com o percentual de mulheres, que chega a 88%. Eles gastam em média 9,8 horas por semana em atividades domésticas, enquanto elas dedicam 20,6 horas. Levando em conta o tempo total de trabalho em âmbito doméstico e profissional, observa-se que os homens gastam em média 51,6 horas semanais, enquanto as mulheres totalizam 56,4 horas.

Esses dados confirmam que, mesmo que as mulheres tenham jornadas remuneradas mais curtas, sua carga total é maior, o que significa que elas realizam longas horas de trabalho gratuito e sem reconhecimento social.

Analisando os dados de anos anteriores, nota-se que não importa se as mulheres possuem renda alta, se são consideradas chefes de família, se estão ocupadas: em todos os casos elas sempre gastam mais tempo com afazeres domésticos do que os homens que estão nas mesmas posições. Mais impressionante ainda é o fato de que elas gastam mais tempo nessas atividades mesmo quando comparadas aos homens nas situações opostas: os de baixa renda, os considerados cônjuges e os desocupados.

A constatação de que, independentemente da situação em que se encontram, as mulheres sempre trabalham mais em âmbito doméstico mostra, de forma definitiva, que a realização dessas tarefas não está relacionada às condições de vida, à inserção no mercado de trabalho, ou à disponibilidade de tempo. É fruto da divisão sexual do trabalho: uma divisão hierárquica e artificial, que destina ao coletivo feminino a responsabilidade pelo trabalho doméstico e familiar.

A dupla jornada de trabalho das mulheres vem sendo denunciada pelos movimentos feministas brasileiros, desde a década de 1970, como um fator chave para a manutenção das desigualdades de gênero. De acordo com uma pesquisa da SOS Corpo/Data Popular, três em cada quatro mulheres brasileiras afirmam que sua rotina é extremamente cansativa. A existência de creches, a melhoria no transporte público e as escolas em tempo integral são algumas das principais demandas das mulheres para o enfrentamento das tensões geradas pela sobrecarga.

A inserção feminina no mercado de trabalho é bastante afetada por essa distribuição do tempo injusta, mas naturalizada. As obrigações familiares fazem com que algumas mulheres "decidam" trabalhar meio período ou se ausentar do mercado quando as cargas se tornam pesadas demais; "optem" por trabalhar em casa para estar mais próximas das pessoas dependentes; "prefiram" trabalhar por conta própria para ter maior flexibilidade de tempo; ou "escolham" desde o início trabalhos mais compatíveis com as demandas familiares, o que pressupõe horários menos rígidos. Esses rumos podem resultar em uma perda de autonomia pessoal e econômica, assim como na diminuição das possibilidades de promoção laboral.

Muito se enganam as famílias das classes médias e altas que pensam resolver esse problema ao contratar trabalhadoras domésticas. Nesses casos, as mulheres da família continuam responsáveis por uma cota significativa das tarefas de organização do cotidiano e coordenação da casa, que lhes consome tempo e espaço mental. E mais importante que isso: assim elas terceirizam as tarefas domésticas a outras mulheres, aumentando as desigualdades de classe e raça dentro do próprio coletivo feminino, sem alterar os papéis tradicionais dos homens na esfera privada.

A proteção da família por parte das classes médias e altas muitas vezes passa pela negação da vida familiar de outras mulheres, convertidas em cidadãs de segunda categoria – mulheres que precisam desatender suas próprias cargas familiares.

Ao longo do século XX, as mulheres protagonizaram uma verdadeira revolução, passando a ocupar cada vez mais os espaços públicos. No entanto, de maneira geral, os homens não fizeram o movimento equivalente em direção ao espaço privado – não assumiram a cota que lhes corresponde de trabalho doméstico e de cuidados. A escassa participação masculina ocorre sob o delineamento de uma "ajuda", em relação a um trabalho que os homens não veem como sua responsabilidade.

Tem sido lenta a evolução nas últimas décadas: o espaço doméstico ainda se mostra muito resistente a mudanças, um foco de conservadorismo incompatível com as demais transformações sociais que felizmente vemos em curso.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto