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Meu nome é Lola. E estou ameaçada de morte por ser feminista

Leonardo Sakamoto

08/11/2015 18h16

Homens que possuem espaço na mídia foram instigados a ficarem como espectadores nesta semana, ao invés de escreverem e publicarem textos sobre os direitos das mulheres e questões de gênero. Ou seja, promoverem uma ocupação de seu espaço para que elas falassem por si. Portanto, de segunda a hoje, domingo (8), mulheres de diferentes origens, histórias e regiões estão publicando, neste blog, sobre o tema dentro da iniciativa #AgoraÉQueSãoElas.

Este texto é de Lola Aronovich, professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista Escreva Lola Escreva. Lola foi envolvida numa polêmica, esta semana, quando um site falso foi criado usando seu nome. O objetivo seria incitar mais violência contra ela, que já recebe ameaças com frequência.

Os outros já publicados nesta série são: Segunda (2) – Juliana de Faria e Luíse Bello, do Think Olga, responsável pela campanha #primeiroassedio; Terça (3) – Karina Buhr, cantora, compositora, atriz e ativista; Quarta (4) – Djamila Ribeiro, filósofa e feminista e Laura Capriglione, jornalista e escritora; Quinta (5) – Maíra Kubik Mano, jornalista, doutora em Ciências Sociais e professora do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA; Sexta (6) – Camila Agustini, roteirista e advogada especialista em direitos humanos; Sábado (7) – Tamires Gomes Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e primeira negra a dirigir o Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Mackenzie e Fernanda Sucupira, jornalista, especialista em gênero e igualdade pela Universidad Autónoma de Barcelona e mestra em sociologia pela Unicamp.

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Meu nome é Lola. E estou ameaçada de morte por ser feminista, por Lola Aronovich

Desde janeiro de 2008, tenho um blog pessoal que leva meu próprio nome, Escreva Lola Escreva – referência ao filme cult alemão. Comecei o blog quando morava em Detroit, fazendo meu doutorado-sanduíche.

Sou feminista desde a mais tenra infância. Tudo que escrevo, tudo que falo, reflete meus pontos de vista. Não tinha como meu blog não ser feminista e, desta forma, ele atraiu muitas mulheres e alguns homens para fazer o combate a todos os preconceitos.

Quase oito anos ininterruptos de blog com atualizações diárias é uma eternidade. E cansa. Mas eu também tive o privilégio de acompanhar meninas crescerem com o feminismo, meninas que começaram a ler meu blog quando estavam na sétima série, terminaram o ensino médio, entraram na faculdade. Também tive a felicidade de contar com o apoio de leitoras e leitores que vibraram quando, por exemplo, passei no concurso para lecionar Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, onde vivo há quase seis anos.

Embora o auge de popularidade do blog já tenha passado (foi em 2013, quando os blogs, em geral, tinham mais audiência, perdida para as páginas do Facebook), ele ainda tem cerca de meio milhão de visualizações de páginas por mês e segue sendo um dos maiores blogs feministas do Brasil. Por causa disso, recebo muitos convites para dar palestras e participar de debates em universidades por todo o país e sou constantemente entrevistada pela grande mídia.

Porém, nem tudo é positivo. Um blog feminista com tanta repercussão também atrai os piores antifeministas que se pode imaginar. Antes do início dele, eu conhecia a misoginia, claro, mas não tinha ideia que a misoginia pudesse chegar a esse nível de obscurantismo.

Eu e muita gente pensávamos que, com a internet, teríamos uma chance maravilhosa para mudar o mundo. E temos – continuo acreditando nisso. Porém, as redes sociais também servem para criaturas absurdamente preconceituosas exporem seu ódio e atacarem ativistas. A internet é cruel com as mulheres e há muitos estudos comprovando a realidade de que, se você tem um avatar feminino, está muito mais sujeita a ameaças, principalmente de estupro.

Pouco depois do começo do blog, fui apresentada aos Men's Rights Activists, ou MRAs, "defensores dos direitos dos homens", que no Brasil se chamam masculinistas – e que eu abreviei para o termo mascus, que se espalhou.

Mascus creem que as verdadeiras vítimas são homens héteros e brancos. Foi um choque saber que existem homens que chamam mulheres de merdalheres e depósitos de porra. E mascus são capazes de atrair outros homens revoltados com o fracasso de suas vidas. Em abril de 2011, Wellington Menezes entrou na escola municipal em que havia estudado e abriu fogo, matando dez meninas e dois meninos, no que ficou conhecido como Massacre de Realengo. É difícil acreditar, mas Wellington é cultuado como herói em fóruns misóginos, que sonham em produzir novos "guerreiros" como ele.

Um desses fóruns (chamados de chans) é de autoria de um mascus que, em 2012, foi preso por um site de ódio em que defendia a legalização do estupro e o estupro corretivo para lésbicas, enquanto tramava um atentado na Universidade de Brasília para matar "vadias e esquerdistas". Nessa época, por denunciar o site de ódio, fui alvo de inúmeras ameaças, que nunca pararam.

Mascus divulgam meu endereço residencial e estabelecem recompensas para quem me matar (e também matar meu marido, que cometeu o hediondo crime de amar uma feminista, e minha mãe, uma senhora de 80 anos).

Já fiz vários boletins de ocorrência contra eles, mas nunca deram em nada. O último foi em outubro, quando mascus inventaram um novo site de ódio no meu nome. A página fake prega o aborto, o infanticídio e a castração de meninos, e é assinado como Lola Escreva Lola, contendo, inclusive, link para o meu currículo acadêmico Lattes. O objetivo expresso deles vai além de manchar minha reputação. Querem que pessoas me reconheçam na rua. E me linchem.

O site viralizou no feriado de Finados, quando outros homens de direita o divulgaram no Facebook e no Twitter. Numa lamentável ironia, o blog falso se tornou mais famoso que meu blog de verdade, cultivado com empenho há quase oito anos.

Felizmente, o tiro acabou saindo pela culatra. Recebi inúmeras manifestações de apoio e muita visibilidade na grande mídia, que está permitindo que eu me defenda de acusações tão infundadas. Minha universidade, a UFC, lançou nota de apoio e está totalmente do meu lado. Fui chamada para participar de um seminário em dezembro no Congresso Nacional, sobre violência contra a mulher e mídias sociais.

Porém, o site falso em meu nome continua no ar. E as ameaças a mim e a minha família não pararam nem vão parar.

Eu também não vou. No auge da repercussão do site falso, que por um tempo ficou mais conhecido que o meu blog de verdade, pensei em parar, em sair da internet. Mas me silenciar é justamente o que eles querem. E eu não estou sozinha. Eles querem silenciar todas as mulheres, principalmente as feministas. Não podemos deixar. Por isso, sei que não devo parar.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto