Lama de Mariana: Dilma tira o corpo fora ao falar do problema
Leonardo Sakamoto
30/11/2015 15h17
Dilma Rousseff afirmou que o rompimento da barragem de rejeitos de mineração, em Mariana (MG), que criou uma onda de lama e o maior desastre ambiental da história do país, foi uma "ação irresponsável de uma empresa". Em seu discurso na abertura da 21ª Conferência do Clima (COP), em Paris, nesta segunda (30), prometeu punições severas aos responsáveis e disse que o poder público está implantando medidas de redução de danos e prestando atendimento às populações atingidas.
A responsabilidade da Samarco (=Vale + BHP) é clara e, se a Justiça for feita, as empresas terão que bancar até o banho e tosa dos cachorros que foram cobertos de lama no caminho dos rejeitos até o oceano Atlântico.
Mas isso não significa que Dilma possa fazer a egípcia e ignorar que o modelo de desenvolvimento que ela e o partido que está no poder defendem também são responsáveis pela situação.
Como já disse aqui nas últimas semanas, enquanto governo federal e oposição vomitam discursos pré-fabricados e hipócritas de choque diante de uma realidade de Casa da Mãe Joana que ambos ajudaram a instalar no meio ambiente brasileiro, a onda de lama mudou completamente a vida em Minas Gerais e no Espírito Santo.
A ideia de que vale crescimento acima de qualquer coisa, que norteia uma ideia bizarra de desenvolvimento professada pelos principais partidos políticos do Brasil, PT e PSDB, está também na gênese das catástrofes.
Rio Doce foi tomado pela lama barragem da Samarco (=Vale + BHP Billiton). Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios
O discurso de que o desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (o que concordo) e que, portanto deve ser obtido a todo o custo (o que discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas, tornaram-se petistas e hoje fazem coro cego ao PAC do governo federal.
Mantém viva a ideia de que, na prática, é necessário sacrificar peões para ganhar o jogo. E, até agora, não vi por parte de nenhuma partido político um discurso de mudança estrutural, o que inclui bater de frente com o próprio modelo de desenvolvimento. Porque, convenhamos, "capitalismo verde" é banqueiro com camisa do meu eterno Palmeiras. Dá para obter concessões com muita pressão, mas o principal causador de impactos ainda é o próprio modo de produção.
No Brasil, movimentos e organizações sociais sérias e jornalistas que cobrem sistematicamente o tema defendem que o crescimento não pode ser um rolo compressor passando por cima de pessoas e do meio ambiente. Por conta disso, são taxados de entreguistas e de fazerem o jogo do capital internacional.
Nos últimos tempos, presenciamos isso nas críticas levantadas contra os movimentos que protestaram contra, por exemplo, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (agora envolvida no escândalo de corrupção investigado pela operação Lava Jato) ou das do rio Madeira e nos impropérios lançados às comunidades que protestaram contra as obras de transposição de parte das águas do São Francisco.
O Congresso Nacional está discutindo um novo Código de Mineração que deveria ser rigoroso na responsabilidade das empresas, nas ações de prevenção, na garantia de estrutura para fiscalização e nas situações em que a proibição de exploração é o único caminho. Sim, porque às vezes para manter o interesse da maior parte do público, o minério deve ficar onde está até que se encontre uma maneira verdadeiramente racional de extraí-lo. Mas muitos políticos, do Executivo e do Legislativo, da base a aliada e da oposição, foram eleitos com recursos de grandes empresas do setor. Daí, fica difícil.
É claro que os países do centro querem que nós arquemos com o ônus da preservação do planeta. O mercado de carbono, na prática, vai nesse sentido: compra-se créditos de terceiros (que vão adotar práticas ou projetos que absorvam carbono da atmosfera) para que se possa poluir. Ao mesmo tempo que isso acontece, esses países se beneficiarão do alargamento da já grande distância de desenvolvimento entre o centro e a periferia.
Mas o atual modelo, em plena vigência no Brasil, tem um potencial destruidor muito grande, além de ser extremamente concentrador. Ou seja, o resultado da pilhagem dos recursos naturais e do trabalho humano, mantendo o padrão adotado até aqui, continuará nas mãos de poucos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros.
Passou da hora de tirarmos o "desenvolvimento sustentável" da prateleira da ficção. Ou o país será bom para todo mundo ou não haverá Brasil para contar história. Para isso, será necessário que o modelo de crescimento da ditadura, que continua sendo implementado com algumas mudanças aqui e ali pelas mesmas pessoas que a ditadura torturou, seja julgado e, finalmente, substituído.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.