Topo

Em Santa Catarina, o carvão é mais importante que trabalhadores

Leonardo Sakamoto

05/12/2015 12h58

Por Carlos Juliano Barros, especial para este blog.

Sem ver a cor do salário desde junho deste ano, cerca de 300 trabalhadores apelaram para a generosidade da população de Criciúma, no Sul de Santa Catarina, e arrecadaram alimentos em uma praça pública do município. Todos foram demitidos de uma mineradora de carvão – a Carbonífera Criciúma – que fornece o insumo exclusivamente a uma usina termelétrica da Tractebel, empresa do grupo GDF Suez, gigante mundial do setor energético.

A direção da Carbonífera Criciúma alega que a mina de carvão se exauriu e, por essa razão, vem encontrando dificuldades para quitar o passivo trabalhista – inclusive, a empresa até já entrou com um pedido de recuperação judicial para negociar com seus credores. A mina já teve a luz cortada por falta de pagamento.

Porém, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), o abandono dos 300 mineiros só acontece por conta de uma engenharia jurídica que garante a qualquer custo o fornecimento de carvão à Tractebel, mas não confere a mesma prioridade aos direitos dos empregados das minas.

Desde 2000, um consórcio firmado entre dez empresas do Sul de Santa Catarina fornece carvão para a termelétrica. Basicamente, cada mineradora tem uma cota de carvão para entregar. Se uma delas não cumprir com a sua parte, as outras são obrigadas a se virar para assegurar o abastecimento da Tractebel. Entretanto, para a entidade que representa as mineradoras, a mesma cumplicidade não pode ser aplicada aos salários atrasados dos trabalhadores.

Procurada pela reportagem, a Tractebel não respondeu.

"O consórcio que nós temos de fornecimento é um consórcio de entrega de carvão, mas o faturamento é individual", explica Fernando Zancan, presidente do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina. Segundo Zancan, a entidade comandada por ele apenas organiza a logística e faz a padronização de qualidade do carvão que é entregue à Tractebel. "Mas não há solidariedade entre as empresas na questão legal", acrescenta.

No entanto, não é esse o entendimento do Ministério Público do Trabalho. Isso porque o próprio contrato de fundação do consórcio das mineradoras diz que, "em caso de falência, dissolução ou liquidação" de uma das empresas, as outras serão responsáveis pelas "obrigações que no âmbito do consórcio cabiam à consorciada falida, dissolvida, liquida ou impedida".

Além disso, o Artigo 2o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é categórico ao determinar que empresas com personalidade jurídica própria que se organizam conjuntamente devem responder de forma solidária sobre as relações de emprego.

Em outras palavras, se um dos membros de um consórcio não arcar com os direitos de seus empregados, as outras empresas automaticamente precisam assumir a dívida.

Pelo contrato firmado entre a Tractebel e o consórcio das mineradoras, as produtoras de carvão mineral são obrigadas "a se manter em dia com todas as contribuições previdenciárias, sociais e trabalhistas". A Tractebel pode, inclusive, suspender os pagamentos às empresas inadimplentes e, em última instância, ao consórcio.

Na avaliação do procurador Luciano Leivas, do Ministério Público do Trabalho, "a Tractebel assumiu a obrigação de controle sobre a regularidade previdenciária e trabalhista", porém, "tal obrigação contratual foi negligenciada de forma retumbante". Ou seja, a Tractebel fez vistas grossas aos problemas da Carbonífera Criciúma para não comprometer o fornecimento de carvão e continuar produzindo eletricidade.

Apesar da argumentação, na sexta (27/11), a Vara do Trabalho de Criciúma indeferiu uma liminar movida pelo procurador que pedia que a Tractebel depositasse parte dos recursos desembolsados para a compra de carvão em uma conta para o pagamento dos empregados da Carbonífera Criciúma. Em primeira instância, a ideia de responsabilizar o consórcio pelo passivo trabalhista também não foi acatada pelo poder judiciário. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho.

"Faz mais de um ano que a Carbonífera Criciúma desconta a mensalidade da folha de pagamento dos empregados e não repassa para a conta do sindicato", afirma o sindicalista Genoir José dos Santos, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Carvão.

O grupo francês GDF Suez, dono da Tractebel, controla outros importantes empreendimentos energéticos no país, como a hidrelétrica de Jirau, erguida no rio Madeira, em Rondônia. Os graves impactos socioambientais gerados pela obra foram tema do documentário "Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica", lançado em abril deste ano pela Repórter Brasil

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Em Santa Catarina, o carvão é mais importante que trabalhadores - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto