O Brasil será um lugar pior ou melhor durante a suspensão do WhatsApp?
Leonardo Sakamoto
17/12/2015 08h22
Tenho sentimentos contraditórios sobre a breve suspensão do WhatsApp, no Brasil, por decisão judicial.
Por um lado, sentirei falta da conversa com amigos próximos e distantes, da troca rápida de informações fundamentais para o meu trabalho e da facilidade de mobilização imediata diante das falcatruas do poder público que o aplicativo permite. Além do mais, concordo com Ronaldo Lemos de que o bloqueio viola a Constituição Federal, sendo ato típico de países autoritários.
Ao mesmo tempo, o meu espírito de porco não consegue deixar de imaginar que determinados grupos que elegeram o aplicativo como instrumento para propagar livremente racismo, machismo, homofobia, transfobia, discriminação social, xenofobia e pregar o ódio, a intolerância e a morte à diferença ficarão em silêncio por um tanto ou suarão para se estruturar de outra forma, migrando para outro aplicativo.
Isso sem contar a quantidade de informação incorreta ou produzida para manipular, à direita ou à esquerda, que terá dificuldade para circular durante esse período. E, portanto, deixará de desinformar milhões de pessoas que acreditam mais em uma mensagem anônima entregue por um Best Friend Forever do que em uma reportagem bem apurada de um veículo de comunicação conhecido.
É claro que prefiro o aplicativo em funcionamento, seria idiota se defendesse o contrário. Bloquear o WhatsApp é equivalente a suspender uma camada de interação social por canetada judicial. Pois, assim como o Facebook ou o Twitter, ele não é uma ferramenta de descrição do mundo, mas sim uma plataforma de construção e reconstrução da realidade e possibilita uma vivência tão real quanto as outras camadas da nossa existência.
Quando a pessoa está atuando através dela, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive. Não é o WhatsApp o responsável por protestos no Cairo, em Istambul, em Madrid ou São Paulo, mas ele catalisa processos através do encurtamento da distância e o que levava semanas agora ocorre em minutos.
Muitos governantes, parlamentares e magistrados têm dificuldade em assimilar como isso funciona. Acreditam que é apenas um canal para fluir informação ou que redes sociais funcionam como entidades em si e não como plataformas de construção política onde vozes dissonantes ganham escala, pois não são mediadas pelos veículos tradicionais. E por isso têm uma dificuldade louca em debater com a sociedade alternativas a fim de aumentar a participação social na tomada de decisões.
Mas para além da falta daquela janela fácil para o mundo, a ausência temporária do WhatsApp causa um incômodo – negativo e positivo – gerado pela lembrança de que são pessoas e não a tecnologia as responsáveis por tudo o que nele circula. Sim, não é o WhatsApp que permitiu que vocês se organizassem e ocupassem uma escola ou fossem para a rua protestar ou que difundiu o ódio e garantiu um linchamento de um inocente em um poste. Foram vocês.
Paradoxalmente, o mundo poderá ser um lugar melhor e pior durante a suspensão do aplicativo, dependendo do ponto de vista. Deveríamos aproveitar esse momento – não importa o quanto dure – para refletir um pouco sobre nossa responsabilidade na produção e compartilhamento de informações. Sim, você é responsável quando passa adiante algo que vai de encontro à dignidade humana ou quando não pensa em sua veracidade ou procedência apesar de achar que não.
Pois são pessoas e somente pessoas as capazes de, usando essa plataforma, construir maravilhosas relações sociais para um mundo mais justo. Ou produzir uma realidade de sofrimento e dor para os outros.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.