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"Vítimas são culpadas pela violência policial até que se prove o contrário"

Leonardo Sakamoto

07/01/2016 19h15

Parte das mortes cometidas por agentes do Estado durante o serviço, como policiais, são registradas como "autos de resistência" ou "resistência seguida de morte" e raramente são investigadas. Ou seja, execuções sumárias, de envolvidos em crimes e inocentes, têm passado à história dessa forma e permanecem impunes. Organizações de direitos humanos e movimentos sociais têm pressionado para alterar a legislação e estabelecer procedimentos para a perícia e investigação obrigatória dessas mortes e lesões cometidas por agentes do Estado.

Nesta segunda (4), o Diário Oficial da União publicou uma resolução do Conselho Superior da Polícia Federal e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil, trocando os registros de resistência e resistência seguida de morte por "lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial" ou "homicídio decorrente de oposição à intervenção policial". A resolução também determina que o delegado de polícia precisará verificar se o executor usou de forma moderada os meios necessários para se defender ou vencer a resistência.

Contudo, a mudança não está sendo vista com bons olhos por entidades de direitos humanos, que acusam que ela representa uma troca de "seis por mais dúzia".

Para discutir esse assunto, trouxemos ao estúdio da TV UOL Átila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil, e Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch Brasil. E aproveitamos para conversar sobre a letalidade da polícia brasileira, a mortalidade de jovens negros e pobres nas grandes cidades e como evitar que "bandido bom é bandido morto" continue sendo vista como solução para os problemas de segurança pública. Abaixo, alguns dos pontos debatidos:

Resistência à polícia ou violência policial? – A investigação policial sobre um homicídio causado por um agente público deve desvendar o que aconteceu e não procurar uma relação da vítima com algum crime para justificar a morte. Segundo Maria Laura Canineu, "vítimas são culpadas pela violência policial até que se prove o contrário". Átila Roque lembra que não estamos falando de qualquer homicídio, mas de uma morte nas mãos de um agente do estado, que detém o monopólio da força. E, portanto, "não pode restar nenhuma dúvida de que o uso de força letal foi o último recurso".

Por que a polícia mata tanto? – Na opinião de Átila Roque, a pergunta não é apenas "por que a polícia mata tanto" ,mas também "por que a sociedade deixa que a polícia mate tanto?". Em sua opinião, "nossa sociedade permite que algumas vidas sejam vistas como descartáveis". Para Maria Laura, a impunidade da violência policial cria uma carta branca para matar no Brasil.

Por que o Estado mata tantos jovens negros e pobres? – Segundo Átila, nossa sociedade se construiu negando dois de seus elementos fundadores. O Brasil nunca gostou de se ver racista e violento no espelho, quando somos muito racistas e violentos. E essa negação fez com que olhássemos para outro lado, dificultando a resolução dos problemas. Para Maria Laura, a polícia é treinada a combater o criminoso e não a proteger a população. Esse modelo, infelizmente, não ajudou a melhorar os índices de segurança pública ou mesmo nossa sensação de segurança. Átila afirma que o poder público encara a questão como uma guerra. Ambos concordam que o Ministério Público, que tem o mandato judicial para fazer o controle externo da polícia, deveria exercer um papel mais atuante.

Como pensar diferente do "bandido bom é bandido morto"? – "Temos visto, em nome de uma demagogia eleitoreira, de um oportunismo religioso, político ou comercial, um grande jogo de manipulação do medo", afirma Átila Roque. "É natural que uma pessoa que sofra uma violência sinta uma revolta, é muito duro perder um amigo ou familiar. Essa dor não tem forma de descrever. Mas essa dor deve ser compartilhada e transformada em solidariedade para que não vire uma rotina." De acordo com Maria Laura, é um exercício diário de organizações que atuam com direitos humanos mostrar que não trabalham em "defesa de bandido", mas pela sociedade. "E eu me recurso a acreditar que a maior parte da população acredite que bandido bom é bandido morto, que a maior parte da população quer uma polícia que mate muito. A maior parte da população quer uma polícia que respeite o cidadão."

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto