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Seja governo ou oposição, o canibalismo de trabalhadores é paixão nacional

Leonardo Sakamoto

11/01/2016 13h57

Apenas um governo eleito com o discurso de proteção aos trabalhadores seria capaz de colocar em prática as mudanças na Previdência Social que estão despontando no horizonte, incluindo o aumento da idade mínima para se aposentar. Pois uma candidatura retrógrada que proponha passar o rolo-compressor em direitos de trabalhadores talvez nem seria eleita para a Presidência da República. E, se eleita, teria que encarar uma oposição mais à esquerda que pregaria que isso é um absurdo.

Quando o governo (que se auto-intitula de esquerda, apesar de seguir a outra cartilha), começa a propor mudanças trabalhistas e previdenciárias, a oposição no Congresso Nacional xinga publicamente (como é de praxe para um grupo que, assim como o governo, não possui um mísero projeto de país). Mas, longe dos holofotes, sorri.

Ou seja, um governo que se autoproclama como "dos trabalhadores", sempre é útil para fazer um serviço que, caso contrário, os setores mais reconhecidos como ligados "aos patrões" não seriam capazes de fazer sozinhos. E isso ocorre, como todos sabem, no Brasil, na Europa, em qualquer lugar.

Sabemos que a sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou e as pessoas estão vivendo mais. Portanto, algumas regras também deveriam mudar. Mas não há receita mágica para mudanças estruturais, que deveriam ser extensamente debatidas e não tomadas em meio ao desespero para salvar o caixa público e, com ele, a sobrevida do governo.

Alguns pontos que poderiam ser um começo: melhorar a regulação do mercado de trabalho, desenvolver a qualificação profissional de forma a gerar empregos mais sólidos, melhorar o sistema de ingresso no mercado de trabalho e, é claro, a redução na jornada de trabalho – pleiteada pelos trabalhadores e empurrada pelo governo com a barriga e com medo há anos. Rebaixar a contribuição de trabalhadores e empregadores ao INSS, compensando com a tributação do faturamento de empresas que não são intensivas em mão de obra ou que não fazem recolhimento per capita do INSS de seus empregados, como instituições do sistema financeiro ou empresas que usam alta tecnologia é uma opção que não pode ser jogada fora.

Todo o espanto de agora sobre as novas políticas do governo Dilma para benefícios e direitos trabalhistas e previdenciários pode até parecer consequência de não termos discutido claramente e sem rodeios o que os candidatos pretendiam em relação ao tema nas eleições.

Mas esqueçam. A verdade é que nenhum candidato será verdadeiramente pressionado a se posicionar sobre alguns projetos concretos de interesse dos assalariados ou dos mais pobres. Ou, se for, nunca falará a verdade.

Assuntos como esses são tratados como polêmica ou tabus pelas campanhas. Como se falar disso fosse um atentado violento ao pudor.

Aliás, é mais fácil tratar de antropofagia em campanha eleitoral. Se bem que devorar o trabalhador enquanto ainda respira é antropofagia.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto