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Como polícias da Europa agem diante de manifestações de rua?

Leonardo Sakamoto

19/01/2016 13h09

São Paulo tem sido palco, nas últimas semanas, de manifestações contra o aumento das tarifas de metrô, trens e ônibus –  o Movimento Passe Livre (MPL) agendou mais uma para esta terça (19). Junto com elas, temos assistido a cenas de repressão policial violenta, como as da última terça (12), que deixou manifestantes e jornalistas feridos.

Pedi a jornalistas brasileiros que moram na Alemanha, Espanha, França e Inglaterra para contarem como a polícia desses países da Velha Europa, acostumada a manifestações de rua, age diante de momentos de tensão. Sabemos que o contexto social é diferente, mas entender como democracias mais experientes respondem a essas tensões e lidam com a integridade dos envolvidos pode ser didático para nós. Pelo relatos, apesar da violência policial acontecer por lá também, o poder público nesses países reage melhor à pressão popular e/ou a polícia pensa mais antes de agir.

Após cegar manifestante, balas de borracha foram proibidas
Por Juliana Sada e Rodrigo Valente, de Barcelona, Espanha

Uma polícia que comete excessos e age com violência certamente não é exclusividade brasileira. Na região autônoma da Catalunha, a força policial, conhecida como Mossos d'Esquadra, também é alvo de constantes denúncias. Ainda que haja inúmeros casos de violência policial, eles não são comparáveis aos números brasileiros. Além disso, a repercussão e o repúdio da opinião pública e de parte dos meios de comunicação marcam mais um importante diferencial frente ao panorama brasileiro.

Relatórios de entidades de Direitos Humanos indicam um crescente de denúncias contra a atuação dos Mossos, pelo menos, desde 2008. Com o agravamento da crise econômica no país, alguns protestos foram violentamente reprimidos. O de maior repercussão internacional foi o desmonte com bastante violência do acampamento, na importante Praça Catalunha, do movimento dos indignados que explodiu em toda a Espanha em maio de 2011. Na ocasião cerca de 120 pessoas ficaram feridas – inclusive policiais – após a repressão utilizar indiscriminadamente golpes de cassetete e balas de borracha.

Em 2014, o Mossos d'Esquadra foi a polícia regional espanhola mais denunciada por torturas e tratos desumanos no país, com 260 acusações. O grande número de denúncias se deve, principalmente, à repressão de uma manifestação em que a polícia utilizou a técnica do "kettle", a mesma utilizada pela Polícia Militar de São Paulo para impedir o deslocamento da manifestação do Movimento Passe Livre no último dia 12. Segundo a entidade espanhola Coordenação para a Prevenção e a Denúncia da Tortura, a técnica seria ilegal no país.

Outro caso de violência policial que ganhou destaque foi o de uma mulher que perdeu um olho ao ser atingida por bala de borracha no final de uma manifestação em 2012. A repercussão do caso foi tão grande que o Parlamento Catalão proibiu o uso de balas de borracha pelos Mossos a partir de então.

Em julho de 2015, a entrada em vigor da Lei de Segurança Cidadã, que ficou conhecida popularmente como Lei da Mordaça, representou um grande retrocesso ao direito a manifestação na Espanha. Está proibido, entre outras coisas, se manifestar diante do Congresso e Assembleias estaduais, postar na internet fotos e vídeos de policiais, tentar impedir despejos e protestar em edifícios e monumentos públicos. Representantes da sociedade civil e de entidades de defesa dos direitos humanos acreditam que tal lei pode recrudescer ainda mais a ação das forças policiais contra a população.

Policiais bloqueiam avanço de manifestantes no centro de Barcelona (Foto: Emilio Morenatti/AP)

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Baixo risco de uso político das forças de segurança
Por Thiago Guimarães, de Hamburgo, Alemanha

A eficácia das forças de segurança pública se transformou no principal tema em debate na Alemanha desde a virada do ano, quando agressores cercaram, roubaram, assaltaram, molestaram e violentaram sexualmente centenas de mulheres em Colônia, Hamburgo e outras cidades. O contundente fracasso da polícia em cumprir seu principal papel – proteger cidadãs e cidadãos – em poucos dias custou a cabeça do comandante da polícia de Colônia.

Ativistas urbanos, ambientalistas e manifestantes pelos direitos humanos têm, em geral, seu direito de protestar respeitado no país. É pouco provável que a polícia irá protagonizar cenas de barbárie generalizada, mesmo quando alguns manifestantes direcionam provocações aos soldados, como já testemunhei. O risco de uso político das forças de segurança também é relativamente baixo em um país onde elas já corroboraram de modo abominável com as aspirações totalitárias da doutrina nazista e do socialismo real, ao longo do século passado.

Uma atuação mais incisiva (mas raramente exacerbada) é de se esperar quando marchas organizadas por grupos xenófobos ou neonazistas ocorrem simultaneamente a mobilizações contrárias. Em jogos de futebol, a tropa de choque costuma escoltar os torcedores do time visitante até a porta do estádio. A tensão é perceptível, mas mantida sob controle. Na Copa do Mundo de 2006, a polícia teve uma atuação talvez até melhor que a da própria seleção alemã. E 1,3 milhão de turistas, além dos fãs locais, puderam comemorar em áreas abertas destinadas ao public viewing bem como em bares e clubes. Hooligans e terroristas tiveram que esperar por outra oportunidade.

Manifestantes pressionam barreira de policiais diante do Banco Central Europeu, em Frankfurt (Foto: Fredrik von Erichsen/AFP)

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Como uma das polícias mais pacíficas do mundo usa a força
Por Pablo Uchôa, de Londres, Inglaterra

A polícia britânica é reconhecidamente uma das mais pacíficas do mundo – a começar pelo fato de apenas poucos policiais portarem armas de fogo.

Porém, já deu mostras de que pode ser violenta. As greves dos mineiros durante o governo Thatcher foi um exemplo. Antes disso, o período da escalada da violência na Irlanda do Norte – conhecido como Troubles – também foi marcado pelo abuso policial. Porém, esses foram enfrentamentos sociais muito profundos e seria impensável que aquelas cenas se repetissem em protestos legítimos, corriqueiros e pacíficos típicos da democracia.

Presenciei manifestações anticapitalismo durante o G20, aqui em Londres, em 2009. Era o auge da crise financeira e os nervos estavam acirrados. O 99% estava revoltado contra o 1%. Os black-blocks prometiam tumulto. Tanto que nós, da BBC, só saímos para rua em pares, depois de um planejamento de risco, com a promessa de manter contato permanente com nossa chefia e munidos de equipamento especial – máscara antigás, capacetes, kit de primeiros socorros.

No primeiro dia, houve quebra-quebra, ataque a bancos. A polícia estava em peso na rua. Porém, se no passado eles partiriam para cima dos manifestantes a cavalo, dessa vez acompanharam os protestos. Foi a primeira vez que ouvi falar da estratégia do chamado kettling – que se pode traduzir mais ou menos como "chaleira".

A polícia cria um cerco e aos poucos vai conduzindo a multidão para um determinado local. Os policiais vão deixando as pessoas saírem muito aos poucos e isolando os mais radicais entre os protestos, em uma espécie de "chaleira". Aos poucos, vão apertando o cerco e realizando prisões. Nós mesmos tivemos de provar que éramos imprensa para poder sair.

O kettling não é agradável. É sufocante. E é hostil, porque os policiais estão lá de cacetete, escudo, cachorro . Mas não tem bala de borracha. Um jornaleiro, que passava pela manifestação, morreu após ser empurrado por um policial. No vídeo que vazou depois do incidente, não pareceu haver violência excessiva, mas obviamente houve pelo menos negligência. O policial foi suspenso e eu não sei o que aconteceu depois.

A polícia daqui é, sim, acusada de violência excessiva – veja os protestos em Tottenham em 2011. Eles foram causados pela morte de um jovem negro pela polícia. A reação foi impressionante: Londres praticamente queimou. A polícia fez muitas prisões na ocasião, e a justiça julgou bastante rápido. Foi um fenômeno muito estranho: de repente, você viu profissionais liberais, classe média, saqueando loja de tênis e levando geladeira nas costas.

O resultado bizarro do caos social. A tensão entre as minorias e a polícia permanece.

Manifestantes antifascimo são contidos por policiais na Inglaterra (Foto: Dylan Martinez/Reuters)

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Sob medo do terror, manifestações estão proibidas – mas continuam acontecendo
Por Pedro Malavolta, de Paris, França

O último ano em Paris foi diferente. Marcado por dois atentados terroristas, foram poucas as grandes manifestações públicas. No momento, a França está em Estado de Exceção e as manifestações proibidas. Apesar disso, elas continuam acontecendo.

O dia 29 de novembro, data da abertura da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP 21), presenciou a única repressão policial a uma manifestação política com uso de armas menos letais. A primeira parte do ato, uma "corrente humana" com 4,5 mil pessoas, segundo a polícia, e 10 mil, segundo os organizadores, terminou tranquilamente. Mas quando um grupo de algumas centenas se reagrupou e foi em direção à praça da République, a polícia disparou bombas de gás lacrimogêneo para impedir o avanço da manifestação. Não há relatos de terem sido usados balas de borracha nem de terem cercado as pessoas.

Por outro lado, o maior protesto do ano, a marcha do dia 11 de janeiro de 2015, logo após o atendado ao Charlie Hebdo, foi patrocinada pelo governo francês. As forças de segurança pública estavam mais preocupadas em proteger os mais de um milhão de pessoas presentes no ato de um possível novo atentado do que liberar o trânsito.

A polícia parisiense também tem sua tropa de choque, vestindo cores mais escuras que a de outros policiais, com seus escudos e cacetetes. Porém, quando não há um clima tenso, a tropa não fica visível durante as manifestações ou mesmo em jogos de futebol. Eu só vi os dois camburões e os 30 cavalos da tropa de choque parisiense na manifestação do 1º de Maio porque desci na estação errada. Quem seguiu o trajeto oficial entres as praças da Bastille e da République, não conseguiria ver o batalhão.

A tática mais comum para reprimir manifestações por aqui é o "enjaulamento" (encagement). Utilizando um número maior de policiais que o de manifestantes, eles cercam o ato, impedem que as pessoas entrem ou saiam da "área reservada". A tropa conduz a passeata, às vezes obrigando a alterar a rota original. Outras vezes, não permite nem que os manifestantes saiam do lugar. Não encontrei nenhum relato de que a polícia tenha disparado bombas de gás lacrimogêneo após um cercamento.

Policiais entram em confronto com manifestantes durante a Marcha pelo Clima na praça da República, em Paris, (Foto: Eric Gaillard/ Reuters)

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto