O mundo dividido em "petralhas" e "tucanalhas" é um filme de terror
Leonardo Sakamoto
05/03/2016 09h52
Elogiou uma ação do governo federal? Petralha.
Comentou que uma política de São Paulo era boa? Tucanalha.
Criticou a gestão FHC? Petralha.
Avaliou mal a gestão Lula? Tucanalha.
Reclamou da falta de apuração do Trensalão em São Paulo? Petralha.
Demandou a continuidade da Lava Jato? Tucanalha.
Foi à rua protestar contra Alckmin ou Beto Richa? Petralha
Foi à rua protestar contra Haddad ou Dilma? Tucanalha.
É a favor do Mais Médicos? Petralha.
Analisou negativamente obras para a Olimpíada? Tucanalha.
Reclamou de polarização violenta? É xingado por todos os lados.
***
É de esquerda? Tem que fazer voto de pobreza.
É de direita? Chicoteia os empregados.
Criticou uma política de Israel? É antissemita ou pró-Hamas.
Criticou uma ação do Hamas? É pró-Israel ou islamofóbico.
Defendeu sem-teto? Se não levar para casa, é hipócrita.
Torceu o nariz para o machismo? É bicha.
Fumou maconha? É um vagabundo inútil.
Não acredita em Deus? É do mal.
Criticou a violência policial? Quer policiais mortos.
Foi contra linchamento? É a favor de bandido.
Dançou animada na balada? Tá pedindo homem.
Vestiu saia curta na rua? Tá pedindo homem.
Sozinha no Carnaval? Tá pedindo homem.
É mulher e sorriu? Tá pedindo homem.
Reclamou da concentração de verba pública para uma TV? Não pode ver novela.
É índio? Tem que andar nu e não ter carro.
***
Não está conosco? Então, está contra nós.
Não é patriota? Pois é um inimigo do povo brasileiro.
Não ama o Brasil? Então, deixe-o.
(Versão revista, ampliada e atualizada diante da insanidade vigente.)
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.