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A porrada não vem de quem pensa diferente. Vem de quem não pensa

Leonardo Sakamoto

21/03/2016 18h51

Isso é o óbvio mas, em tempos como este, reforçar o óbvio é fundamental.

Temos ouvido relatos de pessoas que foram assediadas, agredidas e ameaçadas de morte na rua por estarem usando uma cor "ideologicamente inaceitável", carregarem livros "proibidos", usarem adesivos que "ostentem uma opinião errada" ou não compactuando com ofensas a ideias e pessoas, terem tido a "ousadia" de, educadamente, manifestarem isso.

É importante ter calma, tranquilidade e discernimento. Os responsáveis por esses assédios, agressões e ameaças não são pessoas de direita, de esquerda, progressistas ou conservadores, "petralhas" ou "coxinhas", manifestantes pró ou anti-governo, pessoas defendendo a democracia ou contra a corrupção. Mas, sim, seres irracionais que não compreendem o que é viver em sociedade, indivíduos com sérios distúrbios psicológicos ou, mesmo, psicopatas que se escondem em grupos políticos para praticar seus delitos.

Estou excluindo desta discussão, claro, aqueles que são pagos para tocar o terror e agredir fisicamente um grupo político adversário. Esses, independentemente de sua coloração, entram na categoria de mercenários e deveriam ser julgados como criminosos.

Sabemos, é claro, que temos um déficit de formação para a cultura política do debate e que, infelizmente, não somos educados, desde cedo, para saber ouvir, falar, respeitar a diferença e, a partir daí, construir consensos ou saber lidar com o dissenso. Não somos educados para a tolerância e a noção de limites.

Mesmo assim, a imensa maioria das pessoas é capaz de discordar do outro de forma educada ou mesmo usando o direito ao silêncio. E uma quantidade não desprezível pode até utilizar o anonimato da internet para espumar pela boca, mas mantém a educação no trato direto com as pessoas fora da rede – por medo ou bom senso.

Contudo, há aqueles que se utilizam da justificativa da discussão política para poder extravasar seu ódio e seu desejo por sangue e demonstrar toda sua incapacidade de sentir empatia pelo semelhante. Ou que não conseguem ser contestados ou admitirem ignorância sobre algo sem usar a agressividade como saída. Fazem isso vomitando política, mas poderia fazer o mesmo – ou realmente fazem – em nome de seu time de futebol, de sua religião, de sua cor de pele, de sua origem social – ou de qualquer outra razão irracional.

Falo isso com a experiência de quem é xingado e assediado em espaços públicos e já foi cuspido, agredido e ameaçado de morte muitas vezes.

Ainda não voltamos ao momento em que formas de pensar são perseguidas de forma sistemática e institucionalizada pelas ruas. Esperemos, aliás, que isso nunca aconteça de novo.

E, por isso, manter a sanidade e saber que, do outro lado, existem pessoas como você, aptas a dialogar mesmo diante da diferença, e pessoas fora da casinha. Não coloque todos no mesmo balaio. É isso o que os dodóis da cabeça querem: aumentar o medo através da quebra de pontes de diálogo e da violência. Para esse tipo de comportamento resta apenas a força da lei.

Então, lembrem-se: a violência, neste momento, não vem de quem pensa diferente de você. Vem de quem não consegue pensar.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto